40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
47 Dieter Grimm e, na verdade, como o Tribunal, na sequência das resistências de alguns tribunais constitucio- nais, mais tarde decidiu, mesmo perante o direito constitucional nacional. Se bem que o primado do direito comunitário já não seja, em geral, contestado, inúme- ros tribunais constitucionais só de forma limitada o aceitam no que se refere às constituições nacionais. Face à pretensão de primado do direito europeu, defende-se o núcleo identitário das constituições. A Constituição nacional contém controlimiti, como declarou a Corte costi- tuzionale italiana. Isto não se aplica apenas às normas do direito europeu que desrespeitem a identidade das constituições nacionais, mas também à própria interpretação do direito euro- peu, nos casos em que o efeito lesivo da identidade ocorra apenas neste contexto. Os tribunais constitucionais nacionais defendem-se desta maneira de uma lenta erosão do direito constitu- cional nacional, que os Estados-Membros não têm evitado. É, em todo o caso, facto assente que não gozam de primazia aqueles atos europeus que não têm uma base de competência nos tratados, uma vez que são inválidos. Continua, porém, a ser controversa a questão de saber quem tem a última palavra em caso de conflito de competências. O Tribunal de Justiça da União Europeia reivindica-a para si, mas diversos tribunais constitucionais não estão dispostos a dar-lhe razão. Por detrás deste conflito estão diferentes conceções quanto ao fundamento da validade do direito da União. Enquanto o TJUE defende que o direito europeu se emancipou da vontade dos Estados-Membros, os tribunais constitucionais nacionais insistem que deve a sua aplicabilidade no interior de cada Estado a um ato de reconhecimento por parte deste, que, por consequência, o limita. Pelo que tenho entendido, esta é também a opinião do Tribunal Constitucional português. Finalmente, as constituições nacionais mantêm uma especial relevância nos casos em que o legislador europeu, no uso das competências que lhe foram atribuídas, aprove normas que não são, sem mais, aplicáveis nos Estados-Membros, exigindo uma transposição por parte dos órgãos legislativos nacionais – em especial, portanto, nas diretivas. Estas conferem uma margem de decisão ao legislador nacional, que a pode utilizar discricionariamente, mas não em violação da Constituição nacional. Onde termina a sujeição ao direito comunitário come- ça a sujeição à Constituição. Isto tem vindo a adquirir importância especialmente no que se refere à questão de saber quando é que estão em causa direitos fundamentais nacionais ou europeus. Mais uma vez, a dimensão da vinculatividade de ambos tem vindo a ser discutida pelo TJUE e pelos tribunais constitucionais nacionais. A relevância que resta à Constituição nacional das mudanças que acima verificámos é determinada pelo facto de se tratar da Constituição de um Estado e, por esta razão, não poder ter uma importância superior àquela que cabe a um Estado no século XXI. Na medida em que o Estado tenha abdicado ou perdido competências a favor de organizações supranacio- nais, diminuiu também a relevância da Constituição nacional. Fica reduzida à regulação do poder público que continue a pertencer ao Estado. Aliás, mesmo neste âmbito já não conse- gue atingir plenamente as suas pretensões regulatórias, pois, nos casos em que o Estado aja meramente como órgão de execução do direito internacional, este goza de primazia. Se verificarmos de que maneira esta perda afeta aquelas qualidades que fizeram da Constituição um progresso, torna-se evidente que acima de tudo foi afetada a pretensão da Constituição de regular a plenitude do poder público no seu âmbito de aplicação territorial. Os atos de entidades supranacionais escapam ao seu âmbito de aplicação. O próprio primado da Constituição está em causa. Já só subsiste em relação a atos do poder público e mesmo assim somente nos casos em que estes não sejam determinados por direito supranacional. Por
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