40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

48 O lugar da Constituição no século XXI 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo fim, nos nossos dias já não se pode dizer que exista uma exigência de recondução de todos os atos do poder público ao poder constituinte do povo. A Constituição já não estabelece uma ordenação plena, mas apenas parcial. Portanto, tudo depende de saber quanto Estado restou dos desenvolvimentos descritos. Esta grandeza varia conforme as organizações internacionais de que um Estado faça parte. Em qualquer caso, os Estados continuam a constituir as unidades básicas do mundo políti- co. A titularidade plena do poder público só foi reduzida no que respeita àqueles poderes de soberania que transferiram para entidades supranacionais, ao passo que estas estão limitadas à prossecução de determinadas tarefas. Apenas quanto à prossecução destas tarefas são as fronteiras dos Estados permeáveis. Na dimensão horizontal – a da relação dos Estados uns com os outros –, continuam a manter a sua relevância. Por enquanto, não houve também nenhum Estado que tivesse abdicado do monopólio do uso da força. Nas situações em que as organizações internacionais pretendam recorrer ao uso da força, têm de pedir de empréstimo aos Estados os meios para tal. No final de contas, ainda hoje somente os Estados constituem um espaço efetivo de autodeterminação democrática. Contudo, a internacionalização em nada altera o facto de que o poder público necessita de regulação, independentemente de quem a exerça. A final, levanta-se, então, a questão de saber se a diminuição de relevância da Constituição nacional pode ser compensada ao nível internacional. Esta questão insere-se no debate da constitucionalização, levado a cabo com cada vez mais intensidade. Para muitos observadores, o processo de constitucionalização já está há muito tempo em marcha, e não só na Europa. Na sua opinião, também a ONU, a OMC e o FMI se encontrariam constitucionalizados; aliás, todo o direito internacional no seu conjunto. O certo é que todas as organizações internacionais que exercem poderes públicos foram fundadas e regem-se por determinações jurídicas. Por esta razão, não estamos perante uma falta de juridicidade, ainda que, em certos casos, sejam concebíveis melhorias, sobretudo no que respeita à vinculatividade dos direitos fundamentais. No entanto, tal como mostrou este olhar histórico, juridificação e constitucionalização não são a mesma coisa. Uma vez que o poder público internacional, ao contrário do que suce- de com o estadual, não está concentrado, mas sim fragmentado, sendo até, com frequência, exercido em sentidos opostos, falta, desde logo, um objeto passível de constitucionalização, tal como, no âmbito nacional, se foi constituindo, sob a forma do Estado moderno. Na sua fragmentação, a realidade internacional assemelha-se mais à ordem medieval, com os seus numerosos poderes de soberania distribuídos por diferentes titulares, independentes uns dos outros, o que não permitia uma ordenação coerente e abrangente. Por conseguinte, não é ainda possível conceber uma Constituição mundial, que regule de forma plena e coerente o poder público internacional. Acima de tudo, não se descortina como o elemento legitimador da soberania popular e da responsabilidade democrática, que distinguem a Constituição, possam ser implementados a nível internacional. O discurso da constitucionalização não consegue, por isso, dissimular que faltam elementos fundamentais do constitucionalismo. Onde quer que, a nível supra- nacional, se fale de constituições, estas não passam de uma pálida sombra da Constituição, ficando muito aquém desta conquista. Nesta medida, os desenvolvimentos descritos origi- naram uma lacuna de legitimação e de regulação. Para a sua superação com a eficácia das constituições falta ainda uma resposta.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=