40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
51 Jorge Sampaio Quando se comemoram os 40 anos da Constituição da democracia portuguesa, a ten- dência natural é para centrar a discussão na atualidade do texto constitucional, confrontando a hipótese da sua viabilidade no tempo presente, ou seja, discutindo de que forma e com que alcance uma Constituição aprovada nos idos dos anos 70 do século passado pode ser uma Constituição viva no século XXI. E quando digo “viva” refiro-me não à sua vigência nominal ou formal, mas à capacida- de de reger com efetividade a vida política e jurídica da comunidade nacional nas condições complexas do novo século. Colocada assim a questão, rapidamente se concluirá que as dúvidas se reportam e têm origem não em supostas especificidades da Constituição portuguesa de 1976, mas em dificul- dades que afetam, por igual, as Constituições de Estado de direito democrático. De facto, as dúvidas não respeitam especialmente à nossa Constituição, mas são genericamente aplicáveis a todas as Constituições que, como a nossa, nasceram no segundo pós-guerra ou ainda antes. No fundo, acaba por estar em causa não esta ou aquela Constituição, mas, em última análise, a Constituição estadual nacional, em si mesma considerada, enquanto documento político e jurídico que permitiu ao longo das últimas décadas a vida democrática e a garantia dos direitos fundamentais num espaço territorial e político estatal, mas de que agora se duvida que seja potencialmente capaz de enfrentar os desafios transnacionais do novo século. Nas notas mais salientes do constitucionalismo do século XXI destaca-se, com efeito, a impressão de um risco ou mesmo já de um real efeito de erosão da capacidade funcional da Constituição nacional. Não é, portanto, um problema da Constituição ou do constituciona- lismo de um dado país, mas algo que afeta substancialmente todas as Constituições nacionais, embora, reconheça-se, a erosão seja particularmente notória num país periférico envolvido num processo de integração europeia. Dir-se-á, então, que o problema seria exatamente o mesmo, fossem quais fossem as especificidades da Constituição portuguesa, uma vez que os referidos fatores de erosão não têm que ver com particularidades jurídicas das diferentes Constituições nacionais, mas com poderosas realidades objetivas que derivam, de um lado, do fenómeno da globalização e, de outro, da crise de representação e de integração que afeta todas as realidades das democracias constitucionais do nosso tempo. Quarenta anos da Constituição Portuguesa – olhando para os desafios do século XXI Jorge Sampaio
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