40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
52 Quarenta anos da Constituição Portuguesa – olhando para os desafios do século XXI 40.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa Colóquio Comemorativo Por um lado, nenhuma Constituição nacional pode ter a pretensão de dominar, con- ter e regular, com autossuficiência, fenómenos económicos, financeiros e sociais de natureza essencialmente transnacional. Não é possível um enquadramento jurídico e um controlo político de tais fenó- menos num ambiente puramente nacional; a necessidade de cooperação internacional e de integração supranacional faz-se sentir, com uma força inelutável, em quaisquer con- textos político-geográficos, mas, como é natural, repercute-se com particular incidên- cia nas sociedades e economias estruturalmente mais débeis ou em maiores dificuldades conjunturais. E, como não pode deixar de ser, maior cooperação e mais profunda integração redun- dam, inevitavelmente, em enfraquecimento ou, pelo menos, potencial erosão das fontes nacionais de autoridade política e de regulação jurídica. A Constituição nacional e a sua força normativa estão sobremaneira em causa. Por outro lado, num plano aparentemente diverso, mas com uma dinâmica substan- cialmente convergente, no próprio plano nacional há fenómenos de erosão da autoridade estatal e da regulação uniforme da vida social. A desconfiança e o alheamento relativamente às formas tradicionais de fazer política, o surgimento de novos movimentos e sensibilidades sociais, os novos modos de comunicação ligados às novas tecnologias, a diversificação e o multiculturalismo são manifestações osten- sivas de todo um conjunto multifacetado de novos fenómenos dificilmente regidos e tidos em conta por Constituições oriundas de outro tempo, influenciadas por outras formas de conceber o mundo e marcadas por instituições que experimentam enormes dificuldades na abertura e enquadramento de novas realidades. Portanto, nada disto tem que ver com particularismos da Constituição portuguesa e as dificuldades sentidas e experimentadas pelas instituições e pelos agentes políticos e jurisdi- cionais portugueses não diferem, nesse plano, do que ocorre nas outras instâncias estaduais semelhantes à nossa. Não seria, então, adequado centrar em pretensas revisões constitucionais redentoras a preocupação com o domínio e a regulação de fenómenos complexos e insuscetíveis de resolu- ção através de apelos simplistas. Ao invés, quando se confronta realisticamente e com humildade a Constituição com a complexidade dos fenómenos atuais, algum ponto de conforto advém do reconhecimento do pressuposto de que não se deve exigir à Constituição e ao domínio do jurídico mais do que aquilo que eles podem objetivamente suportar. E, nesse plano, pesem embora os referidos riscos e efeitos de erosão que se projetam sobre a Constituição do século XXI, diríamos que tudo quanto se pode exigir à Constituição não é muito diverso do que resultava já das expectativas com que se iniciou a segunda metade do século passado: a Constituição deve, acima de tudo, assegurar um quadro de exercício universal dos direitos fundamentais num Estado de direito que simultaneamente assegure a participação e a deliberação democráticas. Isso significa, porém, que, no fundo, a Constituição material do século XXI não deve ser substancialmente muito diversa da Constituição que nasceu com as revoluções liberais dos finais do século XVIII, ou seja, também agora a Constituição é, e deve ser, baseada na garantia dos direitos fundamentais e da separação de poderes, sem os quais, como se dizia na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um país não tem Constituição.
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