40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa

53 Jorge Sampaio Mudou e pronunciadamente, tanto a conceção do que são e de quais são os direitos fundamentais, tal como mudou, não menos, a conceção da separação de poderes, mas, estru- turalmente, o Estado de direito democrático do nosso tempo assenta naqueles mesmos pilares em que assentava a Constituição oitocentista. E deve notar-se que, em qualquer destes dois domínios – direitos fundamentais e sepa- ração de poderes – a Constituição de 1976 era já tão avançada que as sucessivas revisões constitucionais, e bem, deixaram praticamente incólumes estes domínios. O que acabou por mudar, e por vezes profundamente, foram, afinal, os aspetos mais acessórios e conjunturais que, esses sim, marcados pela época que os produziu, não resistiram à marcha do tempo. Em contrapartida, pelas mesmas razões, mas aí enquanto fenómeno já não tão susce- tível de aplauso, mantiveram-se igualmente os défices e contradições que afetavam o texto originário da Constituição naqueles domínios centrais. Designadamente, manteve-se uma deficiente estrutura de proteção jurídico-constitucional dos direitos fundamentais que deixa sem a necessária tutela por parte do Tribunal Constitucional grande parte das mais impor- tantes ameaças ou lesões que os afetam, enquanto se permite que o Tribunal Constitucional seja inundado de questões menores ou até despiciendas do ponto de vista de garantia da constitucionalidade. Tive ocasião, em intervenção que proferi em 2003, na comemoração dos 20 anos do Tribunal Constitucional, de procurar chamar, na altura enquanto Presidente da República, a atenção para estes problemas e diria hoje, num registo menos institucionalmente condicio- nado, que a subsistência dessas notórias e praticamente incontestáveis insuficiências é uma marca que não engrandece o legislador da revisão e, nesse sentido, não é lisonjeira para os grandes partidos políticos sem os quais qualquer alteração constitucional não é possível. É que, cada vez mais, aquilo que verdadeiramente marca a diferença nos sistemas cons- titucionais não são as subtilezas ou a quantidade de direitos com que se sobrecarregam os textos constitucionais, mas antes a forma como em cada sistema se assegura, com efetividade, a garantia dos direitos fundamentais. E, desse ponto de vista, o nosso sistema de garantia, elaborado seguramente com a melhor das intenções, compara deficientemente tanto com o modelo americano, como com o modelo europeu de fiscalização da constitucionalidade. Não que haja, nesse domínio, qualquer crítica ou reserva a assacar ao próprio Tribu- nal Constitucional que, no quadro existente e que é obrigado a observar, tenta potenciar no máximo as modalidades de garantia existentes. É, todavia, um trabalho inglório, já que a correção das eventuais anomalias e insuficiências do sistema é uma função que incumbe ao legislador da revisão, não obstante raramente se perceber nas propostas e nos mais comuns apelos à revisão constitucional, a que sucessivamente assistimos ao longo dos anos, referências significativas a estes problemas. Em qualquer caso, permitam-me, por último, que saliente e saúde, na pessoa do seu presidente e dos restantes juízes, o papel notável que o Tribunal Constitucional vem desem- penhando, entre nós, na defesa e na estabilidade do Estado de direito e do regime constitucio- nal. Os últimos anos não têm sido fáceis para os portugueses, mas, a meu ver, nesses anos os portugueses encontraram no seu Tribunal Constitucional uma instituição sólida e um ponto de referência que se soube colocar acima das incertezas e das vicissitudes da luta política. Apesar de não poucas incompreensões, de inevitáveis críticas e até de pressões oriundas de onde nunca deveriam ter vindo, o Tribunal Constitucional fez jus à sua função e à sua responsabilidade na defesa da Constituição cujos 40 anos aqui celebramos. Porventura mais

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