TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
147 ACÓRDÃO N.º 75/10 pré-natal – entregue à disponibilidade das pessoas, sem que o Estado actue na sua defesa, que tem de ser legislativa, administrativa e financeira. — Sabendo-se que continua a ser crime a mesma prática abortiva feita, com os mesmos fundamentos, em bebé que tenha 10 semanas e mais um dia, a despenalização efectuada funda-se numa delimita- ção arbitrária e, por isso, juridicamente insuportável. — A norma constitucional em causa não deslinda entre vidas humanas “mais fortes” e vidas humanas “mais fracas”, sabendo-se hoje com segurança, através da Ciência, que a gravidez implica a existên- cia de um novo ser humano, o qual é gerado no momento da fecundação, não mais parando a sua evolução até ao momento da sua morte física. — É ontologicamente que se deve sempre conceber a vida humana, a qual deve receber uma protecção qualitativamente idêntica desde o momento em que aparece, que é a partir da concepção, mesmo ainda quando não há nidificação do óvulo fecundado. 5.1.2. Por violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana — A violação da inviolabilidade da pessoa humana, considerada no artigo 24.°, n.° 1, da Constitui ção da República Portuguesa, que consagra o «direito à vida», não se apresenta como uma ofensa localizada a um mero preceito constitucional, dado que o aborto despenalizado livre ou a pedido, admitido pela Lei n.° 16/2007, coloca em crise os fundamentos do próprio Estado e do Direito em Portugal, ao ser intolerável sob o ponto de vista da dignidade da pessoa humana. — O artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa não podia ser mais peremptório nesta pro- tecção, proclamando que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. — A violação da dignidade da pessoa humana cifra-se na condição a que o bebé, dentro do ventre materno, se sujeitará, até às 10 semanas de vida, depois da entrada em vigor da Lei n.° 16/2007: a redução a mero “objecto”, que passa a ser descartável pela mãe a partir do momento em que Estado e a sociedade não o defendem, atribuindo o “poder de vida e de morte” sobre uma vida humana àquela progenitora. — A atribuição desse “poder de vida e de morte”, sem qualquer justificação, tem a conivência do próprio Estado, que para tanto organiza procedimentos administrativos e médicos. 5.2. Inconstitucionalidade e ilegalidade orgânico-formal 5.2.1. Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação da autonomia legislativa, administrativa e finan- ceira regional, constitucional, estatutária e legalmente configurada — A Lei n.° 16/2007, assim como a Portaria n.° 741-A/2007, apresentam-se com uma vocação de aplicação territorial global – logo também no território madeirense –, o que resulta em qualquer dos casos evidente por se referir “os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconheci- dos”, sem distinção entre estabelecimentos estaduais e regionais. — Aqueles diplomas estaduais – um legislativo e o outro regulamentar – impõem uma prática de aborto despenalizado, livre ou a pedido aos órgãos regionais, sem que estes tenham dito o que quer que fosse no tocante à organização dos cuidados de saúde pertinentes, há muitos anos regionaliza- dos. — A pretensão estadual de obrigar o sistema regional de saúde à prática do aborto despenalizado, livre ou a pedido fora dos quadros da competente decisão regional não respeita as regras e os princípios, constitucionais e infraconstitucionais, aplicáveis, violando o núcleo da autonomia regional, que permite a livre decisão pública em muitos dos respectivos domínios.
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