TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL — O acesso à prestação do aborto despenalizado, livre ou a pedido corresponde a uma tarefa que se situa, do ponto de vista da sua regulação jurídica, no âmbito da competência regional, pois a “saúde” está enunciada como matéria de interesse regional na alínea m) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. — Essa vem a ser a realidade da saúde no território madeirense, devidamente enquadrada pelo Sistema Regional de Saúde, que é essencialmente executado pelo serviço regional de saúde, em desenvolvi- mento da Lei de Bases da Saúde, nunca ninguém tendo questionado essa regionalização legislativa da saúde na Madeira. — Por outro lado, a matéria da saúde não integra o conjunto das competências que são constitucional mente reservadas aos órgãos de soberania, sendo que a única matéria próxima desta é a das “Bases do Serviço Nacional de Saúde”, matéria descrita no artigo 165.°, n.° 1, alínea f ), da Constituição da República Portuguesa, cuja lei estadual respectiva – a Lei de Bases da Saúde – expressamente aceita a criação do sistema regional de saúde. — Acresce que, estando no ambiente dos direitos económicos, sociais e culturais, a competência esta dual não é exclusiva, ao contrário do que sucede em matéria de direitos, liberdades e garantias, pois que estes são directamente referidos no artigo 165.°, n.° 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa. 5.2.2 Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação do direito, constitucional e legal, de audição prévia das regiões autónomas — A Região Autónoma da Madeira não foi auscultada na instrução do procedimento legislativo de elaboração da Lei n.° 16/2007. — Porém, o texto da Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 229.°, n.° 2, atribui às regiões autónomas um direito constitucional de audição nas mais relevantes matérias: “Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional”. — O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.° 130/99,de 21 de Agosto, particularizou este direito nos seus artigos 90.° e seguintes, designadamente definindo o seu âmbito e indicando a inconstitucionalidade e a ilegalidade dos actos normativos produzidos com a violação do mesmo. — A Lei n.° 40/96, de 31 de Agosto, de um modo mais completo, ainda que sem a força própria de uma lei estatutária, viria a concretizar este direito constitucionalmente consagrado, melhor con- figurando os respectivos contornos, ao estabelecer no seu artigo 4.° que, nas matérias de cunho legislativo, é a Assembleia Legislativa o órgão competente para ser ouvido. — O ênfase que o legislador da República quis dar a este direito constitucional expressa-se no vício cominado para os actos jurídico-públicos desrespeitadores de tal direito, impondo no artigo 9.º da Lei n.° 40/96, de 31 de Agosto, que “a não observância do dever de audição, nos termos da presente lei, por parte dos órgãos de soberania, determina, conforme a natureza dos actos, a sua inconstitu- cionalidade ou ilegalidade”. A Assembleia da República nunca ouviu a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira na elaboração do diploma que viria a tornar-se a Lei n.° 16/2007. — A omissão de audição prévia por parte da Assembleia da República infringiu a totalidade deste direito de audição, ao não lhe ter sido dada a oportunidade sequer de uma mínima pronúncia, e impedindo-se assim de levar à consideração do decisor legislativo os argumentos que este eventual- mente devesse ponderar para assumir uma solução definitiva.
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