TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

155 ACÓRDÃO N.º 75/10 disciplina jurídica contida em lei que, no âmbito das eleições em que fizeram eleger os respectivos represen­ tantes, os dois maiores partidos políticos com assento parlamentar se comprometeram a alterar somente por via referendária. 10.1. A não vinculatividade do referendo e suas consequências A Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, teve origem no Projecto de Lei n.º 19/X, apresentado pelo grupo parlamentar do Partido Socialista. Este projecto de lei foi apresentado em simultâneo com o Projecto de Resolução n.º 148/X – “projecto de resolução convocando um referendo popular sobre o aborto” –, o qual, tendo sido aprovado em reunião plenária da Assembleia da República, realizada no dia 19 de Outubro de 2006, veio a dar lugar à Resolução n.º 54-A/2006, publicada no Diário da República , 1.ª série, de 20 de Outubro de 2006. Previa tal Resolução que, através de referendo, os cidadãos eleitores recenseados no território nacional fossem chamados a pronunciar‑se sobre a seguinte pergunta: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher,nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”. Convocado o referendo em tais termos aprovado e realizado este no dia 11 de Fevereiro de 2007, os resultados viriam a ser os seguintes: a percentagem dos votantes quedou-se pelos 43,57% dos eleitores ins­ critos no recenseamento, correspondendo a resposta positiva 59,25% dos votos validamente expressos e a negativa a 40,75% (cfr. Mapa Oficial, Diário da República , 1.ª série, de 1 de Março de 2007). Preceitua o n.º 11 do artigo 115.º da CRP (aditado, conforme é sabido, pela revisão constitucional de 1997), que “o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento”. Este princípio encontra-se integralmente reproduzido no artigo 240.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo). Sob a epígrafe “Dever de não agir da Assembleia da República e do Governo”, o artigo 243.º do referido diploma legal estabelece, por seu turno, que “a Assembleia da República ou o Governo não podem aprovar convenção internacional ou acto legislativo correspondentes às perguntas objecto de resposta negativa com eficácia vinculativa, salvo nova eleição da Assembleia da República ou a realização de novo referendo com resposta afirmativa” . Perante estes dados do regime jurídico-constitucional e legal do referendo, fácil é concluir pela impro- cedência do vício formal apontado pelos requerentes. Com efeito, encontrando-se definido um quórum de participação com base no número de eleitores recenseados (cfr. os artigos 115.º, n.º 11, da CRP, e 240.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril) e não tendo este sido atingido, o referendo realizado a 11 de Fevereiro de 2007 não foi vinculativo, o que, do ponto de vista do condicionamento da actividade legislativa subsequente, o torna juridicamente irrelevante. De acordo com o regime jurídico do referendo, o órgão legiferante com competência para editar a medida legislativa de sentido normativo correspondente ao da proposta submetida ao eleitorado só ficará inibido de o fazer na mesma legislatura caso se verifique um duplo condicionalismo: carácter vinculativo do referendo e vencimento da resposta negativa. Nenhuma destas condições, cumulativamente exigíveis, se verificou, pelo que a Assembleia da República não se encontrava impedida de aprovar a Lei n.º 16/2007. A Lei n.º 16/2007 não é, deste ponto de vista, formalmente inválida. 10.2. A ilegitimidade material da Assembleia da República Sob invocação dos artigos 1.º a 3.º, 108.º e 109.º da CRP, os requerentes contestam ainda a validade da Lei n.º 16/2007, com fundamento em alegada ilegitimidade material da Assembleia da República para a respectiva aprovação, ilegitimidade essa decorrente do facto de os dois maiores partidos políticos com assento parlamentar

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