TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

156 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL haverem feito constar dos programas eleitorais com que se apresentaram a eleições legislativas o compromisso de que somente por via referendária aceitariam modificar o regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez. A demonstração da insustentabilidade jurídico-constitucional da construção seguida pelos requerentes quase dispensa a análise detalhada do alcance normativo atribuível ao conjunto dos parâmetros constitucionais invocados. Em face do respectivo enunciado, torna-se desde logo evidente a impossibilidade de extrair deles qual- quer regra ou princípio que juridicamente permita projectar sobre a validade dos actos legislativos aprovados pela Assembleia da República a responsabilidade, necessariamente política, que porventura possa associar-se à hipotética inobservância ou incumprimento de compromissos assumidos pelos titulares dos órgãos legiferantes através dos programas eleitorais apresentados no âmbito das eleições em que se fizeram eleger. No plano da construção jurídica possível, os princípios da soberania popular (artigos 1.º a 3.º) e da demo­ cracia participativa (artigo 2.º), consagrados na Constituição, não constituem fundamento idóneo de uma teo- ria que cruze o plano da legitimidade constitucional dos órgãos com competência legislativa e da validade dos actos praticados no exercício das respectivas competências com o plano da eventual desconformidade do sen- tido ou conteúdo programático de tais actos relativamente aos compromissos previamente assumidos perante o eleitorado. A responsabilidade adveniente da inobservância de compromissos eleitorais, a existir, será de natureza exclusivamente política, concretizando-se primordialmente através do juízo de avaliação do desempenho dos titulares dos órgãos legiferantes no termo dos respectivos mandatos, juízo esse que, no exercício do poder político que lhes pertence, aos eleitores caberá formular e exprimir através do voto. O sentido para que apontam as normas constitucionais convocadas é, de resto, inequivocamente contrário à tese sustentada pelos requerentes. O invocado princípio da soberania popular – implicado já, enquanto fundamento da acção e legitima- ção do Estado, quer no artigo 1.º (vontade popular), quer no artigo 2.º (soberania popular) da Constituição (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 215) –, encontra-se particularmente densificado no n.º 1 do respectivo artigo 3.º, aí se estabelecendo que “a soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exercerá segundo as formas previstas na Constituição”. Como aqueles autores explicitam (ob. cit ., p. 216), “por formas previstas na Constituição entender-se-ão as modalidades e os procedimentos jurídico-constitucionalmente previstos para a manifestação da vontade política do povo, nomeadamente as eleições e os referendos segundo os procedimentos previstos na própria Constituição (…)”. O exercício da soberania que reside no povo e do poder político a este pertencente far-se-á, portanto, através dos mecanismos tipificados na Constituição, os quais, incluindo muito especialmente a eleição, por sufrágio directo, dos membros da Assembleia da República (artigos 149.º e segs.), não contemplam, porém, qualquer um que viabilize a sindicância de uma eventual desconsideração de compromissos assumidos perante o eleitorado, através da invalidação, por ilegitimidade do órgão legiferante, dos actos praticados em desconfor- midade com o conteúdo do programa eleitoral sufragado pelos eleitores, sob proposta dos respectivos titulares. A argumentação desenvolvida pelos requerentes é, pois, a todos os títulos, manifestamente improcedente. 11. Os vícios materiais 11.1. As questões de inconstitucionalidade material: seu objecto Os vícios materiais que os requerentes apontam às normas impugnadas são enunciados nas alíneas t) a z) das conclusões do pedido, formuladas nos seguintes termos: « t) A possibilidade de se praticar o aborto sem alegação de fundamentos, constitui o arbítrio que deixa a mulhere a criança totalmente desprotegidos, violando-se, assim, o disposto nos artigos 1.°, 2.°, 24.°, 25.°, 36.°, 67.° e 68.° da CRP.;

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=