TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
157 ACÓRDÃO N.º 75/10 u) A Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, deixa o progenitor masculino totalmente arredado do processo de responsabilidade e processo de formação da decisão no aborto, violando-se desta forma os artigos 1.°, 2.°, 24.°, 67.°, alínea d), da CRP e ainda o princípio da igualdade fixado nos artigos 13.° e 36.°, n.°s 3 e 5, da CRP; v) A objecção de consciência prevista na Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, parece lesar a dignidade dos médi- cos, ao consagrar, no n.º 2 do seu artigo 6.°, um tratamento discriminatório desse mesmos médicos objec- tores à interrupção voluntária da gravidez; w) A informação fixada na Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, como prévia ao consentimento, assenta na selec- tividade de informação, na assimetria informativa e triplamente indirecta, o que tange com os princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade e, assim, com o disposto nos artigos 18.°, n.° 2, 25.°, n.°1 e 27.°, n.° 1, da CRP; x) A alteração ao artigo 142.° do Código Penal, introduzindo uma alínea e) no seu n.º 1, deixa totalmente des protegida a vida humana até às 10 semanas, impondo ao Estado que contribua para a eliminação de vidas humanas (através, por exemplo, do Serviço Nacional de Saúde e das prestações sociais inerentes — artigo 35.°, n.° 6, do Código do Trabalho), sem que para tal seja necessário alegar quaisquer razões ou fundamen- tos; y) Tal disposição atenta, assim, contra a base antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de direito, violando, desse modo, os artigos 1.°, 2.°, 24.°, 25.°, 26.°, 68.°, n.° 2, e 73.°, n.° 2, da CRP e z) Sendo hoje reconhecido o aborto como um acto de risco para a saúde física e mental da mulher, e dando por assente o aborto por carências económicas, o regime fixado na Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, liberta o Estado da sua função de solidariedade e protecção da saúde física e psíquica, violando, assim, o disposto nos artigos 64.°, n. os 1 e 2, alínea b) , e 66.°, n.° 1, da CRP.» Este articulado conclusivo, devidamente integrado pelas considerações argumentativas que o antecedem e sustentam, permite certificar que o objecto do pedido compreende normas da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, situadas em distintos planos e dimensões da disciplina legal da interrupção voluntária da gravidez. Contestada é, desde logo, a validade constitucional de uma previsão de impunibilidade da interrup- ção voluntária de gravidez não dependente da alegação de motivos taxativamente descritos e de verificação objectivamente controlável. Censura-se a própria mutação do sistema legal de não punibilidade desse acto, com a consagração, por via da introdução da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, de uma solução ajustada ao “modelo de prazos”, deixando o sistema de se conformar exclusivamente pelo “modelo das indicações”. Esta opção de fundo, traduzida na despenalização da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas da gestação, sem necessidade de invoca- ção de razões justificativas, é, em si mesma, antes e independentemente da apreciação do concreto regime vazado nas soluções legislativas que lhe dão corpo, considerada incompatível com o dever de protecção da vida intra-uterina. Não escasseiam, na motivação do pedido, afirmações explicitantes desta posição de princípio. É assim, por exemplo, que, a dado passo, os requerentes se interrogam: “Porém, se a Lei não exige que a mulher alegue os fundamentos pelos quais procura o aborto, como pode o Estado exercer o seu papel social de protecção à maternidade e à vida humana carenciada?”. E, mais adiante, acrescentam: “Por isso, a alteração ao Código Penal que permita a uma mulher decidir da vida ou morte de um ser humano, sem que para tal invoque fundamentos, é deixar totalmente desprotegida a vida humana até às 10 semanas. É conferir a um ser (Mãe) o direito a decidir da vida de outrem, ainda que por motivos fúteis.
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