TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL […] Sobretudo, importa insistir em que se prevê um aborto ad nutum , discricionário, sem qualquer necessi- dade de justificação, quando a restrição a um direito fundamental como a vida, mesmo que pudesse ser admitida, tem sempre de ser devidamente justificada. O aborto, por outras palavras, não pode nunca ser um direito (espaço de uma insindicável autonomia privada). Por isso é extremamente importante que se faça o cotejo do sistema que temos com o sistema das indicações, pois só este se apresenta conforme com estas exigências”. Mas, a este alegado vício, verdadeiramente matricial, de desconformidade com a Constituição, haveria, na óptica dos requerentes, que adicionar outros, atinentes a aspectos parcelares da concreta modelação das soluções legislativas. Alguns desses aspectos contendem ainda com a protecção da vida humana intra-uterina. É o caso da disciplina normativa da consulta obrigatória prevista no artigo 142.º, n.º 4, alínea b) , do Código Penal, na redacção do artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, e no artigo 2.º, n.º 2, deste diploma legal. Nos termos daquela primeira disposição, tal consulta destina-se a “facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável”. Mas, quanto às suas finalidades e ao seu conteúdo, a informação prevista não preencheria as condições necessárias para satisfazer o imperativo constitucional de protecção da vida intra-uterina, mesmo a admitir-se que ele tem que ser confrontado, segundo o método da concordância prática, com o valor da liberdade da mãe. Na verdade, estaríamos perante uma “prestação puramente informativa” e não “um aconselhamento pró-vida”, arguindo-se que, sem este, “o Estado português queda-se indiferente e neutro perante a ameaça à vida humana”. Quanto ao conteúdo, a norma constante do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, mereceria reparo constitucional, na medida em que exclui do âmbito da informação a prestar à gestante através da consulta o conhecimento sobre as consequências da efectuação, no caso concreto, da eventual interrupção voluntária da gravidez para o embrião, as condições de apoio que as instituições não estaduais prestam à prossecução da gravidez e da maternidade e o regime da adopção em Portugal. Das informações relevantes, a prestar na consulta médica obrigatória, deveria também constar uma imagem da ecografia do feto. Sem estas informações suplementares, resultaria clara a violação do princípio da proporcionalidade, “(…) desde logo, porque a consulta informativa não é idónea à protecção do fim a que se destina – tutela da vida humana intra-uterina – e porque privilegia desnecessariamente um dos bens constitucionais em conflito – o valor da liberdade de escolha da mulher – em nada acautelando o outro dos valores em presença”. Para isso contribuiria também a opção normativa expressa na alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Códi- go Penal, introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, a qual limita a três dias o prazo mínimo de reflexão que medeia entre a realização da primeira consulta médica e a concretização da interrupção da gravidez. Para além da protecção da vida intra-uterina, outros bens ou valores constitucionais são alegadamente afectados por outros pontos do regime legal constante da Lei n.º 16/2007. “O regime fixado na Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril”, não acautelaria o direito à protecção da saúde física e psíquica da mulher. Estariam em causa também o direito à liberdade e o princípio da proporcionali- dade, ofendidos pelo disposto nos artigos 2.º da Lei n.º 16/2007 e 142.º, n.º 4, alínea b) , do Código Penal. A omissão da exigência de participação do progenitor masculino do processo de decisão quanto à in- terrupção violaria o direito à igualdade na parentalidade. Esse sujeito “poderia e deveria ser chamado ao aconselhamento a fim de, também ele, tomar a responsabilidade por aquele filho, ainda que a decisão última fosse da mulher”. De “duvidosa constitucionalidade” é considerado o disposto no artigo 6.º, n.º 2, na medida em que exclui das consultas previstas na alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal os médicos objectores de consciência.
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