TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

159 ACÓRDÃO N.º 75/10 Por último, a norma do artigo 2.º, n.º 2, estaria ferida de inconstitucionalidade, na medida em que admite a regulamentação por portaria da informação a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal, não obstante estar em causa matéria de direitos fundamentais. De uma forma ou de outra, todas estas questões irradiam da questão central da admissibilidade, e suas condições, da não utilização da sanção penal como instrumento de tutela da vida intra-uterina. Elas apre- sentam-se geneticamente conexionadas com esta última, pelo que a sua consideração poderá vir a revelar-se prejudicada pela valoração que ela suscite. Justifica-se, assim, que a apreciação das questões de inconstitucionalidade material postas se inicie pela questão central, de primeiro grau, acima enunciada, tratada à luz do parâmetro nuclear da inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º da CRP. Antes, porém, impõe-se uma curta alusão à necessidade de consideração de certas normas de direito internacional invocadas pelos requerentes e aos antecedentes legais e jurisprudenciais da Lei n.º 16/2007. 11.2. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem como parâmetros Os requerentes entendem que a Lei n.º 16/2007 contém várias soluções normativas que violam, não só a Constituição, mas também a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Sustentam que os referidos textos de direito internacional vinculam o Estado português por via do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, constituindo as respectivas disposições parte integrante do ordenamento jurídico português, e que as normas da Lei n.º 16/2007 que as contrariem padecem de um vício de “incon- stitucionalidade e ilegalidade”. Importa, portanto, averiguar se as ditas Declaração e Convenção podem, no presente processo, assumir a função paramétrica pretendida pelos requerentes e se o Tribunal Constitucional é competente para conhe­ cer dos eventuais vícios resultantes da desconformidade da Lei n.º 16/2007 àquelas declarações e convenções. A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adoptada e proclamada pela Assembleia-geral das Nações Unidas, na sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948. Portugal é membro da ONU desde 14 de Dezembro de 1955. Por seu turno, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi assinada em 04 de Novembro de 1950, em Roma, e entrou em vigor em 03 de Setembro de 1953, tendo sido ratificada por Portugal pela Lei n.º 65/78 de 13 de Outubro. Estamos, no primeiro caso, perante uma declaração solene adoptada por um órgão de uma organização internacional que Portugal integra. Tal declaração não constitui, contudo, direito internacional convencional que vincule o Estado português, à luz do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição. Somente enquanto contém normas ou princípios de direito internacional ou comum é que a Declaração tem valor vinculativo e constitui fonte de direito material, por via do disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Além disso, a Declaração Universal dos Direitos do Homem possui uma relevância normativa específica por ser critério de interpretação e integração das normas constitucionais e legais relativas aos direitos funda- mentais (artigo 16.º, n.º 2, da Constituição) – cfr., sobre esta matéria, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. ,. p. 367, Jorge Miranda, “A Declaração Universal dos Direitos do Homem”, in Estudos sobre a Constitui­ ção , Tomo I, Lisboa, 1977, pp. 58 e 60, e Luís Serradas Tavares, A aplicação interna das convenções internacio­ nais face ao controlo do Tribunal Constitucional , Lisboa, 1997, p. 158. Não obstante – e tal sucede com o texto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, esse sim, in- tegrando o direito internacional recebido por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição –, a sua convocação não é, conforme adiante melhor se verá, forçosa, no presente contexto de controlo da constitucionalidade.

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