TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, quando confrontada, quer com o artigo 1.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei”), quer com o artigo 2.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (“Todos os homens têm direito à vida”), a fórmula normativa constante do artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, exprime um parâmetro de controlo que compreende já em si as injun- ções de sentido que das primeiras advêm, tornando dispensável a sua consideração autónoma. 11.3. Antecedentes legais e jurisprudenciais da Lei n.º 16/2007 Em matéria de interrupção voluntária de gravidez, assistimos, nas últimas décadas, a uma evolução faseada do ordenamento jurídico-penal português, com mudanças de conformação normativa que deram, em pontos decisivos, uma nova configuração à disciplina legal. Foi a Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, que, dando nova redacção aos artigos 139.º a 141.º da Código Penalde 1982, consagrou, entre nós, pela primeira vez, um sistema legal de previsões de impunibilidade da interrupção voluntária de gravidez. Passou a admitir-se a existência de “causas de exclusão da ilicitude”, em função de determinadas indicações, ditas terapêutica [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 140.º], embriopática, fetopática ou por lesão do nascituro [alínea c) do mesmo artigo] e criminal, criminológica, ética, jurídica ou humanitária (alínea d) igualmente do n.º 1 do artigo 140.º) – cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbri cense do Código Penal , I, Coimbra, 1999, p. 168. Assim se pôs termo ao regime até aí vigente de proibição absoluta da interrupção voluntária da gravidez, dando-se concretização aplicativa ao chamado “modelo das indicações” – ainda que de forma restritiva, pois não foi reconhecida a valência, como causa de exclusão, da indicação social. Esta viragem no tratamento jurídico-penal da interrupção voluntária de gravidez deu azo a dois acórdãos deste Tribunal: um primeiro, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a requeri- mento do Presidente da República (Acórdão n.º 25/84, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 2.º Vol., pp. 7 e segs.); mais tarde, um outro, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a requerimento do Provedor de Justiça (Acórdão n.º 85/85, ibidem , 5.º Vol., pp. 245 segs.). Em ambos, foi aceite a validade constitucional do modelo das indicações consagrado nos termos acima referidos, tendo-se concluído pela não inconstitucionalidade das normas em causa. A reforma do Código Penal operada pelo Decreto‑Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a par de aperfeiçoamen- tos de tipo formal, introduziu algumas alterações substantivas não essenciais quanto ao sentido da disciplina. Mantendo o modelo das indicações nos termos em que o havia consagrado a Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, a reforma de 95 quedou-se, com efeito, pelo alargamento da fattispecie correspondente à indicação criminal – estendendo-a, para além da já prevista hipótese de violação da mulher, a todos os casos em que a gravidez tivesse resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual –, e pela alteração da epígrafe do artigo 142.º do Código Penal: de “exclusão da ilicitude do aborto” passou para “interrupção da gravidez não punível”. Note-se que a modelação entre nós consagrada era notoriamente menos extensa, quanto à zona de impunibilidade, do que as igualmente tributárias do “modelo de indicações”, mas prevendo, entre estas, a de carácter económico e social. Foi este o quadro normativo em que, no decurso do 1997, três projectos de lei tendentes a alterar o regime jurídico da interrupção da gravidez foram apresentados na Assembleia da República, um pelo Grupo Parlamentar do PCP (com o n.º 177/VII) e os restantes dois por deputados do Grupo Parlamentar do PS (n. os 236/VII e 235/VII). Formulando os dois primeiros propostas de exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas, apenas o terceiro viria a ser aprovado, dele tendo resultado a Lei n.º 90/97, de 30 de Julho. Através da nova redacção conferida às alíneas c) e d) do artigo 142.º do Código Penal, tal diploma limitou-se a ampliar de 16 para 24 semanas o prazo previsto para a interrupção da gravidez por lesão do nascituro,abolindo-o no caso de fetos inviáveis, e de 12 para 16 semanas nas hipóteses de indicação criminal.
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