TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL era, por isso, o seguinte : “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”. Requerida pelo Presidente da República a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da proposta de referendo em tais termos aprovada, defrontou-se uma vez mais este Tribunal com a questão de saber «se uma concordância com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 sema- nas, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, implica[ria] uma solução inconstitucionale, inversamente, se de uma resposta negativa resulta[ria] também uma tal solução». Delimitando introdutoriamente o âmbito da análise requerida e a empreender, o Tribunal não deixou de esclarecer que o mesmo não abrangeria “a apreciação de todas as soluções legislativas concretas que uma resposta afirmativa ou negativa [pudesse] sustentar”. Em causa foi considerado apenas estar “a verificação ou controlo sobre se uma das respostas (ou até as duas) do dilema subjacente à pergunta determina[ria] uma violação da Constituição, inquinando todas as soluções legislativas concretas que se apoi[assem] nessa mesma resposta”. À questão assim caracterizada respondeu este Tribunal através do Acórdão n.º 617/06, por meio do qual julgou verificada a constitucionalidade e legalidade do referendo proposto na Resolução n.º 54-A/2006 da Assembleia da República. Convocado o referendo e realizado este no dia 11 de Fevereiro de 2007, os resultados viriam a ser os seguintes: a percentagem dos votantes quedou-se pelos 43,57%, correspondendo a resposta positiva a 59,25% dos votos validamente expressos e a negativa a 40,75% (cfr. Mapa Oficial, in Diário da República , 1.ª série, de 1 de Março de 2007). Apesar do resultado oposto ao de 1998, também este referendo não foi vinculativo, nos termos do artigo 115.º, n.º 11, da Constituição. Em 8 de Março de 2007, foi aprovada pela Assembleia da República a Lei n.º 16/2007, promulgada pelo Presidente da República, sem pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade. A Lei n.º 16/2007 viria a ser regulamentada pela Portaria n.º 741-A/2007, de 21 de Junho ( Diário da República , 1.ª série, de 21 de Junho de 2007), estabelecendo esta as medidas a adoptar nos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos com vista à realização da interrupção da gravidez nas situações previstas no artigo 142.º do Código Penal, na redacção que por aquela lhe foi conferida. 11.4. O regime de impunibilidade da interrupção voluntária da gravidez introduzido pela Lei n.º 16/2007 e o imperativo constitucional de protecção da vida humana 11.4.1. Articulação da questão com o objecto dos Acórdãos n. os 288/98 e 617/06. Método da sua apre- ciação Como se viu, por ocasião das alterações mais significativas da disciplina legal da interrupção voluntária da gravidez, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre questões de constitucionalidade por elas suscitadas. Pondo de lado o Acórdão n.º 578/05, que não chegou a decidir questões de fundo, é possível agrupar os quatro restantes arestos sobre a matéria em dois blocos, consoante o thema decidendum: os Acórdãos n. os 25/84 e 85/85 tiveram como objecto a reforma legislativa que previu causas objectivas de exclusão da ilici- tude, de acordo com o “modelo das indicações”; os Acórdãos n. os 288/98 e 617/06, debruçando-se sobre uma pergunta referendária, pronunciaram-se sobre a constitucionalidade de uma nova previsão de despenalização da interrupção voluntária da gravidez: a efectuada por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabeleci- mento de saúde legalmente autorizado – solução que deu guarida ao “modelo de prazos”. Para além de consagrar normativamente a previsão de uma interrupção voluntária de gravidez, sem punição, dentro daquele prazo, a Lei n.º 16/2007 disciplinou, em concreto, o modo operativo desse acto, através de um conjunto de normas interligadas, de natureza organizatória e procedimental. Correspon- dentemente, o objecto do presente recurso de constitucionalidade é mais amplo e diversificado do que a questão em juízo no âmbito dos Acórdãos n. os 288/98 e 617/06: não se restringindo à admissibilidade, de

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