TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

165 ACÓRDÃO N.º 75/10 Dentro destas coordenadas, o se da admissibilidade da consagração do modelo de prazos é questão que não pode agora ser desligada do como da sua concreta configuração. O que cumpre fundamentalmente valorar é se, tendo em conta a modelação concreta da disciplina legal, a solução da impunibilidade, dentro desse contexto normativo, corresponde ou não a “deixar totalmente desprotegida a vida humana até às 10 semanas”, como se sustenta no pedido. Mas a unidade valorativa daquelas duas vertentes da questão não se opõe a uma analítica discursiva, seguindo um percurso argumentativo feito de passos sucessivos e em cadeia, tomando como ponto de par- tida as posições de base que nelas se projectam. Só assim se ganha uma visão clara de todas as dimensões coenvolvidas e do seu peso próprio na fundamentação da resposta às questões de constitucionalidade objecto deste recurso. É esse método que aqui seguiremos. 11.4.2. A questão central de constitucionalidade formulada no pedido estrutura-se, fundamentalmente, em torno da questão de saber se, com o regime constante dos artigos 142.º, n.º 1, alínea e) , n.º 4, alínea b) , do Código Penal, e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, o Estado cumpre, ou não, o dever que sobre ele impende de protecção da vida intra-uterina. De relevo determinante, como questão prévia cuja resposta interfere praticamente em todas as valora- ções a efectuar, é a definição do estatuto constitucional do ser em gestação, o mesmo é dizer, a identificação do alcance, no que diz respeito à protecção da vida intra-uterina, da inviolabilidade da vida humana, consa- grada no artigo 24.º da CRP. Logo nos dois primeiros Acórdãos sobre este tema, o Tribunal tomou posição clara quanto a esta questão. Considerando que a vida intra-uterina está abrangida pelo âmbito de protecção daquela norma – o que, anteriormente, o Parecer n.º 31/82 da Procuradoria-Geral da República ( Boletim do Ministério da Justiça 320.º, pp. 224 segs.) não dera como certo –, o Tribunal acentuou, no Acórdão n.º 25/84, que ela represen- tava “um valor não juridicamente subjectivado”, o que não podia deixar de ser tido em conta no confronto a estabelecer “com outros valores juridicamente subjectivados na mulher grávida, com a natureza de direitos fundamentais”. Esta ideia foi precisada e desenvolvida no subsequente Acórdão n.º 85/85, sendo aí qualificada como uma das duas “ideias determinantes da posição que colhe apoio dominante no Tribunal”. Escreveu-se, a seu respeito: “Por um lado, entende-se que a vida intra-uterina compartilha da posição que a Constituição confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucional objectivo), mas que não pode gozar da protecção constitucional do direito à vida propriamente dito – que só cabe a pessoas −, podendo portanto aquele ter que ceder, quando em conflito com direitos fundamentais ou com outros valores constitucionalmente protegidos. […] Só as pessoas podem ser titulares de direitos fundamentais – pois não há direitos fundamentais sem sujeito –, pelo que o regime constitucional de protecção especial do direito à vida, como um dos “direitos, liberdades e garan­ tias pessoais”, não vale directamente e de pleno direito para a vida intra-uterina e para os nascituros. […] A verdade é que o feto (ainda) não é uma pessoa, um homem, não podendo por isso ser directamente titular de direitos fundamentais enquanto tais. A protecção que é devida ao direito de cada homem à sua vida não é aplicável directamente, no mesmo plano, à vida pré-natal, intra-uterina.” Não se afastou desta orientação o Acórdão n.º 288/98, onde se deixou registado: “Nesta visão das coisas, reconhecer-se-á que o artigo 24.º da Constituição da República, para além de garantir a todas as pessoas um direito fundamental à vida, subjectivado em cada indivíduo, integra igualmente uma dimensão objectiva, em que se enquadra a protecção da vida humana intra-uterina, a qual constituirá uma verdadeira impo­ sição constitucional.

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