TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

169 ACÓRDÃO N.º 75/10 constitucionalmente exigido da vida intra-uterina, incluindo da vida do embrião nas primeiras 10 semanas. Não importa averiguar se outras medidas alternativas às adoptadas protegeriam em maior grau esse bem. O legislador era livre (no limite da proibição do excesso) de implantar essas medidas, mas não estava vinculado a fazê-lo. Contrariamente ao que se lê no pedido, a questão não está, pois, em saber se não existem outros meios “que melhor protejam o valor da vida”. Está apenas em saber se o meio concretamente escolhido satis­ faz ou não o mínimo de protecção. É o cumprimento efectivo de um dever, não o eventual aproveitamento de uma permissão, que constitui o objecto de apreciação, pelo que há que ajuizar unicamente se os meios de que o legislador se socorreu para tal fim levam o direito infraconstitucional a situar-se num ponto ainda consentido pela proibição de insuficiência. A segunda nota destina-se a afastar, in limine , eventuais representações menos fidedignas do regime pos- to em vigor. Ele não pode ser caracterizado, por confronto com um modelo puro de indicações, como uma “retirada” ou “demissão” do Direito, com criação de um espaço em branco, “vazio de juridicidade”, dentro do período considerado. Só seria assim se a grávida fosse deixada só, na sua decisão, encarada esta como uma pura escolha individual, sem relevo comunitário e, portanto, sem previsão de qualquer tipo de interferência de representantes credenciados do interesse geral. É assim no direito norte-americano, mas assim não é no sistema instituído pela Lei n.º 16/2007. Esta contém um feixe de indicações normativas, com vinculação da mulher predisposta a interromper a gravidez a certos ónus procedimentais, que constituem outras tantas condições legais de impunibilidade do acto. Não pode, pois, dizer-se que este acto fique subtraído, no âmbito temporal das 10 primeiras semanas, a toda e qualquer forma de influência e orientação pelo Direito. Nada justifica que as normas de procedimento e de organização sejam, à partida, excluídas do conjunto de instrumentos de direito ordinário mobilizáveis pelo legislador, para fins de tutela de bens constitucionais, pois também elas podem incrementar a probabi- lidade de preservação da integridade desses bens. A simples previsão de uma tramitação legal, com imposição à grávida de uma actuação sequencial, em momentos temporalmente intervalados, de que faz parte a sujeição a uma consulta prévia de carácter obri­ gatório, promove, no mínimo, e desde logo, a consciencialização (ou o reforço da consciencialização) da gravidade ético-jurídica daquilo que se intenta praticar, com incidência potencial sobre a própria tomada de decisão. A mais disso, a obrigatoriedade de percorrer um iter procedimental, em estabelecimento oficial ou ofi- cialmente autorizado, com um prazo entre o pedido de marcação e a efectivação de consulta que pode ir até 5 dias (artigo 16.º, n.º 2, da Portaria n.º 741-A/2007, de 21 de Junho), e um período de reflexão mínimo de 3 dias, entre a consulta prévia e a entrega do documento formalizador do consentimento [artigo 142.º, n.º 4, alínea b) , da Lei n.º 16/2007, e artigo 18.º, n.º 1, da referida Portaria], traz, com a garantia de um “consentimento livre e esclarecido”, um obstáculo eficiente à execução de decisões tomadas por impulso, circunstancialmente motivadas e insuficientemente ponderadas. Nem é, sequer, rigoroso caracterizar a solução como exprimindo a renúncia à intervenção do direito penal, como instrumento de tutela, no período em causa. Não pode falar-se de renúncia, pelo menos de uma renúncia totalmente abdicativa, pois a interrupção voluntária de gravidez continua a ser punível quando praticada, neste período, com desrespeito pelas condições legalmente fixadas. Nesta medida, estamos apenas perante uma restrição (ainda que significativa) do âmbito da criminalização. O que está em juízo, digamo-lo de uma vez por todas, é saber se os instrumentos penais de intervenção podem ser substituídos, sem perda de eficiência, ou sem perda de eficiência comprometedora da satisfação do imperativo de tutela da vida antes do nascimento, por outros meios jurídicos de conformação, de carácter não penal. 11.4.6. Não pode duvidar-se, em face do que já foi dito quanto à vida intra-uterina comungar, em certos termos, da valia intrínseca e da dignidade da vida humana, que ela representa um bem digno de tutela penal. Mas a dignidade jurídico-penal de um bem, se é critério necessário, não é critério suficiente para a outorga

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