TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

170 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da tutela correspondente. Ouçamos o que, a propósito, nos diz Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte geral , I, 2.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 127 e segs.: “O que significa, no fim, que o conceito material de crime é essencialmente constituído pela noção de bem jurídico dotado de dignidade penal; mas que a esta noção tem de acrescer ainda um qualquer outro critério que torne a criminalização legítima. Este critério adicional é – como, de resto, uma vez mais directamente se conclui a partir do já tantas vezes referido artigo 18.º, n.º 2, da CRP – o da necessidade (carência) de tutela penal. […] Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios de política social, em particu- lar da política jurídica não-penal, se revelem insuficientes ou inadequados. Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição do excesso. […] Neste sentido se pode e deve afirmar, em definitivo, que a função precípua do direito penal – e desta deriva o conceito material de crime – reside na tutela subsidiária (de ultima ratio) de bens jurídico-penais.” “O inevitável entreposto constituído pelo critério da necessidade ou da carência de pena” não pode, pois ser ultrapassado (A. ob. cit ., p. 130), devendo ser objecto de consideração autónoma, dado que a carência de pena não é inferível, sem mais, da dignidade jurídico-penal do bem, por mais forte que ela seja. E essa tarefa de ponderação da necessidade de criminalização, cabe, em princípio, ao legislador ordi­ nário, estando inserida, como um dos seus momentos mais relevantes, no cumprimento do mandato geral de consagração de mecanismos de tutela. Na falta de uma injunção expressa de intervenção penal, cai no âmbito da valoração mediadora do legislador uma decisão a esse respeito – a qual, naturalmente, deverá ser tomada com observância dos princípios constitucionais aplicáveis, em particular o da proporcionalidade. A ideia de que “a Constituição impõe (apenas) a protecção como resultado, mas não a sua conformação específica” ( BVerfGE 88, p. 254) não deixa de abranger também a própria opção de base de utilização ou preterição de instrumentos penais, pelo menos para quem admita que não existem imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização – posição que, não sendo incontestada, é defendida, entre nós, nomeadamente por Figueiredo Dias ( ob. cit ., p. 129). 11.4.7. Tem sido esta também a posição que o Tribunal, desde a primeira hora, tem adoptado, quanto à questão de saber se, por imperativo constitucional, a tutela da vida pré-natal postula a penalização dos comportamentos que a ofendam. Logo no Acórdão n.º 25/84, depois de se chamar a atenção para “a ineficácia da repressão penal”, neste campo, por força da “falta de reacção das chamadas ‘instâncias sociais de controle”’, deixou-se expresso: «Daí que se compreenda que os estudiosos da matéria não pudessem deixar de interrogar-se sobre os meios de ordem não-penal capazes de minorar esses males, sendo certo para mais que a repressão penal, à luz do chamado “princípio da subsidiariedade”, só se justifica se for proporcionada, e para o ser precisa de ter eficácia. Quando esta não se alcance, então devem procurar-se outros meios ou processos de evitar tal flagelo […]». Essa ideia foi retomada no Acórdão n.º 85/85, tendo-se aí sustentado, entre outras afirmações de idên- tico teor: “Por outro lado, independentemente da natureza da protecção constitucional da vida intra-uterina, nada, porém, impõe constitucionalmente que essa protecção tenha de ser efectivada, sempre e em todas as circunstâncias, mediante meios penais, podendo a lei não recorrer a eles quando haja razões para considerar a penalização como desnecessária, inadequada ou desproporcionada ou quando seja possível recorrer a outros meios de protecção mais apropriados e menos gravosos”.

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