TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
171 ACÓRDÃO N.º 75/10 Pode dizer-se que, com estas duas decisões, a jurisprudência constitucional portuguesa, partindo do princípio que a vida pré-natal é um bem constitucionalmente protegido, enquanto valor objectivo, de ime- diato acrescentou que a sanção penal deve constituir uma última instância, só justificada quando essa pro- tecção não possa ser garantida de outro modo. Os Acórdãos n. os 288/98 e 617/06 reiteraram essas duas ideias-força. Assim, pode ler-se no primeiro: “Nesta visão das coisas, reconhecer-se-á que o artigo 24.º da Constituição da República, para além de garantir a todas as pessoas um direito fundamental à vida, subjectivado em cada indivíduo, integra igualmente uma dimen- são objectiva, em que se enquadra a protecção da vida humana intra-uterina, a qual constituirá uma verdadeira imposição constitucional. Todavia, essa protecção da vida humana em gestação não terá de assumir o mesmo grau de densificação nem as mesmas modalidades que a protecção do direito à vida individualmente subjectivado em cada ser humano já nascido – em cada pessoa. […] De todo o modo, de acordo com esta leitura, o legislador ordinário estará vinculado a estabelecer formas de protecção da vida humana intra-uterina, sem prejuízo de, procedendo a uma ponderação de interesses, dever balancear aquele bem jurídico constitucionalmente protegido com outros direitos, interesses ou valores, de acordo com o princípio da concordância prática”. Dentro deste quadro de pensamento, o referido Acórdão consolidou também a orientação, já seguida pelo Acórdão n.º 85/85, da admissibilidade de uma tutela gradativa, “progressivamente mais exigente à medida que avança o período de gestação”. Quanto aos meios de tutela, ambas as decisões se irmanaram na aceitação do ponto de vista de que não há uma imposição constitucional de criminalização, na situação em apreço, tendo o Acórdão n.º 617/06 expressamente aludido ao princípio da necessidade, nestes termos: “Tal como já resultava do Acórdão n.º 288/98, deverá salientar-se que estamos no terreno da responsabilidade penal, onde prevalece o princípio da necessidade da pena e não perante uma mera discussão sobre o reconheci- mento de valores ou meras lógicas de merecimento de protecção jurídica”. 11.4.8. Tendo em conta a operatividade autónoma do princípio da necessidade e a imprescindível conjugação da proibição do défice de protecção com o princípio da proporcionalidade, é metodicamente incorrecto partir aprioristicamente da legitimidade da intervenção penal, só afastável mediante a prova da disponibilidade de um meio alternativo de tutela menos intrusivo e de eficiência equivalente ou superior. Com isso se inverte o sentido do percurso valorativo e a colocação do ónus de fundamentação, assumindo-se como ponto de partida o que não pode ser senão o hipotético ponto de chegada. Dando como assente que a sanção penal é o instrumento mais gravoso de intervenção, com a conse- quente prioridade aplicativa, deste ponto de vista, de qualquer outro que o seja menos, a sua utilização não pode resultar, sem mais, da eventual insatisfação provocada por outros instrumentos de tutela. Há que evitar, nesta matéria, qualquer juízo prima facie , pelo que a intervenção penal não pode escapar ao crivo da com- provação positiva da sua eficiência própria, até porque da ineficiência de outros meios não pode deduzir-se automaticamente a eficiência do direito penal. Está hoje assente, na doutrina penal, e na senda da teoria dos fins das penas de Liszt, que os elementos “necessidade” e idoneidade” constituem pressupostos justificativos da pena. Assevera, a este respeito, Claus Roxin: “Não se pode castigar – por falta de necessidade – quando outras medidas de política social, ou mesmo as próprias prestações voluntárias do delinquente garantam uma protecção suficiente dos bens jurídicos e, inclusi- vamente, ainda que se não disponha de meios mais suaves, há que renunciar – por falta de idoneidade – à pena
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