TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

175 ACÓRDÃO N.º 75/10 oneram toda a sua esfera existencial (cfr. Margot v . Renesse, “§ 218 F. StGB – eine unvolkommene Antwort auf ein unlösbares Problem”, Zeitschrift für Rechtspolitik , 1991, pp. 321 a 323). Esse compromisso, não estando em causa um conflito intersubjectivo, protagonizado por dois titulares de direitos fundamentais, mas um conflito entre bens pessoais de um sujeito e a tutela objectiva do “bem social” do respeito pela vida, pode legitimamente ser estabelecido, pois, enquanto valor digno de tutela independentemente do interesse pessoal de alguém, a vida humana não está sujeita a uma lógica protectora de “ou tudo ou nada”, refractária a gradações “de mais ou de menos”, imperante quando ela é objecto de um direito individual. E pode bem dizer-se que o conjunto da disciplina da interrupção voluntária da gravidez tem em conta, na justa medida, o maior peso do valor da vida. Predominam aí as medidas punitivas, recorrendo o Estado exclusivamente ao direito penal, para cumprir o seu dever de protecção do embrião e do feto, nos estádios da gravidez em que a “dualidade” transparece com nitidez. Só nas primeiras 10 semanas – período mais curto, aliás, do que o de 12 semanas generalizadamente vigente, em direito comparado – é que o Estado, sem se demitir desse dever, o prossegue por uma via combinatória da sanção penal com instrumentos auto- -responsabilizadores. Esses instrumentos vão ao ponto de admitir que a ultima palavra, nesse período temporalmente limi­ tado, caiba à grávida. Razões de eficiência e de respeito pelo estatuto constitucional da grávida casam-se, na justificação desta solução específica, que não merece, por isso, uma apriorística censura constitucional. Se o legislador, no uso da sua liberdade de escolha dos meios de tutela, entendeu ser apropriado recorrer à colabo- ração da própria grávida, fazendo apelo ao seu sentido de responsabilidade – opção que, como vimos, tem por si um fundamento razoável –, a salvaguarda da sua autonomia de decisão, para além de ser a solução que melhor se ajusta ao reconhecimento da dignidade da mulher, é, verdadeiramente, uma condição necessária à possibilidade de eficácia daquele apelo. 11.4.12. Mas a conclusão de que não há obstáculos, de princípio, à admissão desta solução, em si mesma, não corresponde ainda a uma resposta definitiva à questão de constitucionalidade posta, pois essa resposta não pode ser dada sem valoração das condições que subtraem à punibilidade a decisão, pela grávida, de interrupção voluntária da gravidez. Isso porque dessas condições vai depender, em último termo, que possa ser atribuído à disciplina legal da forma de realização daquele acto alcance tutelador da vida pré-natal, em medida satisfatória do mínimo de protecção. Falta apreciar, pois, se aos trâmites legalmente fixados pode ser imputado esse efeito. De entre esses trâmites, avulta como de significado primordial, deste ponto de vista, uma consulta prévia, de carácter obrigatório, a partir da qual se conta um período de reflexão de um mínimo de 3 dias, necessário para a prestação eficaz do consentimento. Nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal, a consulta destina-se “a facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável”. Nesta redacção legal baseia-se a qualificação da consulta, pelos requerentes, como puramente informa- tiva. Ora, alega-se, só uma consulta de aconselhamento dissuasora permitiria concluir que, apesar de tudo, o legislador não voltou as costas ao dever de protecção. Um regime que não a consagre posiciona-se aquém do que é constitucionalmente devido, pelo que estaria ferido de inconstitucionalidade. Uma tomada de posição sobre este último patamar da questão beneficiará com um breve excurso pelo direito comparado, com particular incidência sobre este ponto específico. Por aí começaremos. 11.4.13. Pode dizer-se que o “modelo de prazos” é hoje largamente dominante na Europa, pois, na grande maioria dos países europeus, o regime legal prevê a impunibilidade de realização médica da interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher, dentro de certo período, sem dependência da verificação de determinadas circunstâncias, taxativamente previstas e heteronomamente controláveis.

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