TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
176 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para além disso, em certos ordenamentos que exigem a invocação de razões justificativas, na prática aplicativa, uma interpretação muito liberal dessa exigência faz com que o regime não se diferencie signifi- cativamente daquele outro. É o caso, notoriamente, do Reino Unido e da Espanha, países onde, aliás, estão em curso projectos de reforma. Na Bélgica (lei relativa à interrupção voluntária da gravidez, de 3 de Abril de 1990) e na Suíça (regime entrado em vigor em 1 de Outubro de 2002, após consulta referendária), exige-se apenas a invocação, pela mulher, de um “estado de angústia” ( state of distress ). Mas, como essa situação não é objecto de qualquer parecer médico de verificação (só exigível, na Suíça, após o prazo de 12 semanas), a solução corresponde substancialmente ao modelo de prazos. No interior deste modelo, são diversos, porém, os níveis de aceitação da impunibilidade. Tal patenteia-se, desde logo, na maior ou menor extensão do período temporal da gestação a que se aplica este regime. O período mínimo é de 10 semanas. Vigora apenas em Portugal, na Bósnia/Herzegovina, Macedónia e Turquia. Na Estónia, é de 11 semanas, 13 na Holanda, 14 na Roménia, atingindo o máximo na Suécia, onde é de 18 semanas (Lei n.º 595, de 14 de Junho de 1974, alterada pela Lei n.º 660, de 1995, e pela Lei n.º 998, de 2007). Em todos os outros países que aderiram a este modelo, o prazo é de 12 semanas ou de 3 meses [todos estes dados, actualizados a Janeiro de 2009, foram recolhidos em Abortion Legisla tion in Europe , publicado pela “International Planned Parenthood Federation. European Network”, in www.ippfen.org ] . Mas a diferenciação de regimes passa também pela natureza e número das condições concretas de im- punibilidade, nomeadamente pela previsão ou não de uma consulta prévia obrigatória, e, em caso afirmativo, pelo conteúdo e finalidade dessa consulta. Não estabelecem aquela exigência, por exemplo, os sistemas em vigor na Grécia (Lei n.º 1069, de 3 de Julho de 1986), Dinamarca (Lei n.º 350, de 13 de Junho de 1973, com alterações em 1995 e em 2008), Suécia e também, após as modificações introduzidas em 2001, em França. Neste último país, alterando a chamada Loi Veil , que procedeu à descriminalização da interrupção voluntáriada gravidez até às dez semanas, em situações de angústia, o novo regime, contido agora no Code de la Santé Publique (Ordonnance n.º 2000‑548, de 15 de Junho de 2000), procedeu ao alargamento do prazo em que a mulher pode solicitar a interrupção voluntária da gravidez de dez para doze semanas. E se, antes de 2001, uma tal intervenção só poderia ser efectuada após um período de reflexão subse- quente a uma consulta de aconselhamento – no âmbito da qual, designadamente, a mulher fosse informada dos direitos e ajudas sociais de que poderia beneficiar se viesse a ter o filho – depois da Lei n.º 2001-588, de 4 de Julho de 2001, que interveio em matéria de aconselhamento, este tornou-se, facultativo, em regra, só sendo obrigatório para as menores. O Conselho Constitucional pronunciou‑se sobre tal lei, tendo considerado que ela “não quebrou o equilíbrio que o respeito da Constituição impõe entre, por um lado, a salvaguarda da dignidade da pessoa humana contra toda a forma de degradação e, por outro lado, a liberdade da mulher que decorre do artigo 2.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” (Décision n.º 2001‑446 DC, de 27 de Junho, consultável em http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/acces-par-date/ decisions-depuis-1959/2001/2001-446-dc/decision-n-2001-446-dc-du-27-juin-2001.505.html ). Também na Áustria, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a solução do prazo, entrada em vigor em 1975, tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade, por entender que não se verificava violação do artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (integrada no bloco de constitucionalidade), pois que este apenas protegeria a vida já nascida, encontrando-se a vida intra-uterina excluída do respectivo âmbito de protecção. Considerou, por outro lado, que as leis básicas em matéria de direitos fundamentais apenas asseguram protecção contra o Estado e não contra outros cidadãos. A estes regimes, é possível contrapor aqueles outros que, acolhendo embora o princípio da exclusão da punibilidade da interrupção voluntária da gravidez medicamente realizada até um determinado momento da gestação, lhe associaram um sistema de aconselhamento obrigatório.
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