TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

177 ACÓRDÃO N.º 75/10 Mas, dentro deste bloco modelar, não há inteira homogeneidade de soluções quanto à disciplina de tal aconselhamento. Na grande maioria dos casos a considerar, o comprometimento na formação de decisões espontâneas de prossecução da gravidez não é explicitamente assumido, a nível das formulações dos enunciados prescritivos da consulta e do seu conteúdo. Eles caracterizam-se genericamente por obrigar a grávida, antes da realização da interrupção da gravidez, a dirigir-se a uma instituição onde, em regra, lhe são comunicadas, entre outras, informações relativas ao apoio social de que poderá dispor, antes e depois do nascimento, e informação de diversa índole, desde os riscos médicos do aborto aos locais onde pode ser realizado. A consulta obrigatória está prevista, por exemplo, na Bélgica. A mulher é sujeita a aconselhamento prévio, devendo ser informada dos riscos médicos da intervenção e, bem assim, dos direitos e apoios de natureza social e psicológica que pode obter no caso de levar a gravidez até ao seu termo. Por outro lado, a intervenção só pode ser efectuada, no mínimo, seis dias após a primeira consulta. Na Holanda, a lei da interrupção voluntária da gravidez de 1 de Maio de 1981, que entrou em vigor em Novembro de 1984, após um decreto de 17 de Maio de 1984 que a regulamentou, alterou o modelo vigente. Nos seus termos, o aborto provocado não é penalizado quando, para além da observância dos requisitos respeitantes ao local e momento da interrupção da gravidez, se verifica uma situação de necessidade, auto- avaliável pela grávida. Estabeleceu-se um processo de aconselhamento obrigatório, visando analisar alterna- tivas à interrupção voluntária da gravidez, impondo-se ao médico que “se certifique, se a mulher achar que a situação de emergência não poderá ser resolvida de outro modo, que ela manifestou e manteve o seu pedido de livre vontade, após cuidadosa reflexão e na consciência da sua responsabilidade pela vida pré-natal e por si própria e pelos seus”. Aos modelos de aconselhamento acabados de descrever contrapõe-se singularmente o instituído no orde- namento jurídico alemão, em consequência da decisão do Tribunal Constitucional de 28 de Maio de 1993. Tal decisão apreciou a lei aprovada em consequência da reunificação e dirigida a introduzir o «sistema de prazos», despenalizando o aborto praticado por médico durante as primeiras doze semanas da gravidez, desde que a mulher se tenha previamente submetido a uma consulta de aconselhamento em que lhe são dadas as explicações médicas e práticas necessárias para a orientar correctamente na sua escolha. Chamado a apreciar esta alteração legislativa, o Tribunal Constitucional alemão partiu da consideração de que a Constituição obriga expressamente o Estado à tutela e ao respeito da dignidade que é própria da vida humana e que desta participa, não apenas a vida humana já nascida ou com personalidade já formada, mas também a vida pré-natal. Partiu também do reconhecimento de um direito à vida individual do nasci- turo, direito esse não dependente da sua aceitação por parte da mãe. Daí a proibição, de princípio, do aborto e o dever, de princípio, de levar a gravidez ao termo. O cumprimento desta obrigação jurídica deve ser assegurado por meios de tutela, mas a definição deta­ lhada da modalidade e da extensão da protecção que constitucionalmente se impõe constitui competência do legislador: a Constituição prevê a tutela como finalidade, mas não a sua concretização ou finalização detalhadas. Ainda que o direito penal surja geralmente como o sector onde ancorar legislativamente a tutela da vida humana, não será constitucionalmente censurável que a valoração cometida ao legislador ordinário se efectue na base de uma análise segundo a qual, no caso de uma situação de mal-estar devida a uma gravidez, o desenvolvimento da ameaça de sanção penal actuaria mais no sentido contrário a uma decisão da mulher favorável à prossecução da gravidez, já que a gestante vive este conflito de um modo muito pessoal e tende a defender-se do juízo e da valoração desse estado por parte de terceiros. Assim, ao legislador não se encontrará constitucionalmente vedada, em linha de princípio, a possibi- lidade de, na realização do seu dever de defender a vida, se virar para um conceito de tutela que parta da consideração de que, na primeira fase da gravidez, uma protecção mais eficaz da vida pré-natal resulte da criação de premissas positivas para uma acção da grávida em favor do nascituro, evitando que esta se oriente unilateralmente e decida segundo os seus interesses pessoais.

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