TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nesta perspectiva, não se exclui que a tutela, na primeira fase da gravidez, se baseie principalmente na obrigatoriedade de uma prévia consulta da gestante, destinada a convencê-la a levar a gravidez até ao fim. Para o efeito de assegurar a necessária abertura e consequente eficácia da consulta, justifica-se também que se renuncie ao sancionamento penal, bem como ao controlo por terceiros que é próprio do regime das indi- cações justificativas. No plano da conformação normativa do procedimento de consulta, o legislador pode partir do princípio de que esta apenas terá possibilidade de funcionar como meio de tutela da vida pré-natal se for conduzida de modo aberto quanto ao resultado, pertencendo à grávida a decisão livre e final, ainda que necessariamente vinculada à prévia concessão ao Estado da faculdade de desincentivo à interrupção. Uma consulta de natureza meramente informativa, neutral quanto à finalidade e simplesmente des- tinada a facultar à grávida todos os elementos necessários à sua livre decisão, não lhe permitiria funcionar como meio de tutela, o que condenaria a viabilidade constitucional do modelo preventivo, substitutivo da proibição e ameaça penais, por violação do princípio da proibição do défice de tutela. Procurando dar execução à orientação estabelecida na decisão do Tribunal Constitucional, uma lei de 21 de Agosto de 1995 procedeu a uma modificação do Código Penal, sendo que, na Alemanha, actualmente, a interrupção voluntária da gravidez praticada por um médico, com o acordo da mulher grávida, não será punível desde que efectuada nas primeiras doze semanas e a mulher se tenha submetido a aconselhamento. Quanto a este, dispõe o § 219, n.º 1, do Código Penal alemão, no segmento que mais importa: “O aconselhamento serve a protecção da vida que está por nascer. Deve orientar-se pelo esforço de encorajar a mulher a prosseguir a gravidez e de lhe abrir perspectivas para uma vida com a criança; deve ajudá-la a tomar uma decisão responsável e em consciência”. 11.4.14. Por este curto panorama comparatístico, se pode ver que o “modelo de prazos” oferece múlti- plas cambiantes tipológicas, separadas, amiúde, por finas diferenças de conformação, no que diz respeito, sobretudo, ao regime do aconselhamento. Quanto a este, é incontroverso, atento o disposto na alínea b) do n.º 4 do mesmo preceito e no artigo 2.º da Lei n.º 16/2007, que a consulta prévia foi, entre nós, incluída nos trâmites a observar obrigatoriamente, como condição da não punibilidade da interrupção efectuada ao abrigo da previsão da referida alínea e) . Ao contrário de outros ordenamentos europeus, o direito português não dispensou uma estrutura comuni- cacional de proximidade com a grávida e os seus problemas, solução manifestamente mais favorecedora da possibilidade de a interrupção não vir a ocorrer do que a hipótese inversa. Tendo isso em conta, e também a fixação do prazo no escalão mínimo, pode, desde já, dizer-se que a dis- ciplina jurídica recém-instituída não se mostrou insensível ao interesse na prossecução da gravidez. Mesmo o modo como reservou um certo espaço para uma decisão ad nutum da mulher tomou em conta esse interesse. Resta saber se o fez em medida suficiente para cumprir o imperativo de protecção, para o que temos que nos debruçar, mais de perto, sobre a modelação, em concreto, do regime da consulta obrigatória. Da alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal resulta que o consentimento da gestante à realiza- ção da interrupção médica da gravidez “é prestado […] em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção e sempre após um período de reflexão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável”. Sob a epígrafe “Consulta, informação e acompanhamento”, o artigo 2.º da Lei n.º 16/2007 especifica, por seu turno, a natureza do conhecimento que, através daquela informação, deve ser proporcionado à grávida no âmbito da primeira consulta, preceituando que o mesmo deve contemplar: a) as condições de efectuação, no caso concreto, da eventual interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da mulher; b) as condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade;
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=