TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade”. Com esta informação, sobretudo em relação às mulheres de mais baixos índices económico e cultural, pode rasgar-se a visibilidade de um horizonte de via- bilidade prática de uma opção pela maternidade, mormente nos casos, presumivelmente frequentes, em que ela não é pessoalmente rejeitada, mas apenas tida como de concretização impossível, por falta de condições materiais. Se, na lógica fundante desta solução legal, a tutela da vida deve operar pelo incremento das pos- sibilidades de a grávida adoptar espontaneamente uma conduta que preserve aquele bem, então nada mais adequado do que torná-la ciente, no decurso do processo decisório, dos apoios de que pode beneficiar, se fizer essa opção. Esses apoios serão outras tantas razões a balancear do lado oposto ao da interrupção da gravidez, contrariando o peso das motivações que levaram a mulher a iniciar os procedimentos que a ela conduzem. Informá-la do “apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade” mais não é, ao fim e ao cabo, do que “abrir-lhe perspectivas de uma vida futura com a criança”, na fórmula do direito alemão, tida, pelos requerentes, como expressiva da única solução que traduz “a mínima tentativa de, através da liber- dade da mulher (e não contra ela) procurar salvaguardar a vida”. Também não pode ser esquecido o disposto no n.º 4 do artigo 2.º, nos termos do qual “os estabeleci- mentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos onde se pratique a interrupção voluntária da gravidez garantem obrigatoriamente às mulheres grávidas que solicitem aquela interrupção o encaminhamento para uma consulta de planeamento familiar”. E a necessidade de intervenção neste domínio fica bem à vista, se considerarmos que, em certas faixas populacionais, a interrupção voluntária da gravidez continua a ser usada como método contraceptivo (segundo dados da Direcção-Geral de Saúde, das 17 511 interrupções voluntárias da gravidez registadas em 2008, em 2 659 casos as mulheres declararam já tê-lo feito por mais de quatro vezes). 11.4.16. Levando até ao fim o pensamento inspirador da solução da impunibilidade, assente na crença de que só a adesão espontânea da grávida à continuidade da gestação garante minimamente, nesta fase, a tutela da vida intra-uterina, o legislador absteve-se, mesmo a nível comunicacional, de qualquer indicação que pudesse ser por ela sentida como um juízo externo pressionante da sua conduta. Considerou incitação suficiente a informação, em termos objectivos (mas não neutrais, quanto ao resultado), da disponibilidade de apoios vários, permitindo que a grávida forme por si, na posse desses dados e a partir deles, e após um período de reflexão que necessariamente os tem em conta, a sua livre decisão. Não tinha que ser essa a solução legal. Não se contesta que o legislador, na sua liberdade de conforma- ção, poderia ter utilizado fórmulas verbais de eloquência expressiva quanto à sua adesão à defesa da vida, logo no plano das enunciações normativas. Assim como também poderia ter imposto aos operadores do processo legal de interrupção voluntária da gravidez uma explícita orientação finalística, em moldes idênticos aos do direito alemão, ou, mesmo, predeterminado certos conteúdos interlocutórios de apelo directo à não realiza- ção desse acto. Mas a primeira via, podendo louvar-se da produção de sentido simbolicamnte relevante, não goza, só por si, de eficiência garantística, no plano operativo da conformação da vida social. Quanto à segunda, ela está sujeita a limites evidentes, resultantes da opção de base por uma forma de tutela assente, na fase inicial, na colaboração da grávida. As razões inspiradoras dessa opção vedam inter- ferências demasiado intrusivas no processo decisório desta, muito em particular certas formas agressivas de exploração da emotividade acrescida e da situação de vulnerabilidade psicológica da mulher grávida. Como o próprio pedido expressamente reconhece, “(…) o aconselhamento não poderá, em caso algum, significar a imposição de uma pressão psicológica sobre a mulher, mas apenas esclarecê-la da gravidade da sua decisão e das alternativas possíveis”. É objectivamente fundado que um legislador levado a confiar, também por razões de eficiência, na responsabilidade da grávida, chamando-a a cooperar no cumprimento do dever de protecção que ao Estado compete, não queira depois criar um contexto de decisão muito provavelmente desfavorável a esse desi­ derato.

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