TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11.4.18. A emissão de um tal juízo apoia-se também na consciência de que o cumprimento dos deveres de protecção está sujeito a limites fácticos e jurídicos (cfr. Robert Alexy, ob. cit ., p. 422), sendo ilusório acreditar num ilimitado poder do legislador de intervenção modificativa da realidade. Daí que ao juízo de não inconstitucionalidade se não oponha uma posição de cepticismo quanto à eficácia tuteladora, em termos absolutos, da solução encontrada. Não dispomos de dados seguros, a nível nacional, quanto os resultados aplicativos da Lei n.º 16/2007, especificamente quanto à taxa de desistência, no período de reflexão – o índice de maior relevo, a este res­ peito – uma vez que os registos obrigatórios não contemplam esse elemento. Na maternidade Alfredo da Costa, verificou-se, aparentemente, uma curva descendente, pois, enquanto que o Diário de Notícias de 1 de Novembro de 2007 relatava que, das 261 mulheres a participar, desde a entrada em vigor da lei (15 de Julho do mesmo ano), na consulta prévia de interrupção de gravidez, 22 mudaram de ideias durante o período de reflexão – uma percentagem muito superior à verificada noutras unidades de saúde –, na Tribuna Médica Press , de 11 de Fevereiro de 2008, o director daquela maternidade assinalava 4% de desistências – número próximo da estimativa, para fins de planeamento, da Direcção-Geral de Saúde, que apontava para 5% (in Relatório dos registos das interrupções da gravidez ao abrigo da Lei n.º 16/2007 de 17 de Abril. Dados referentes ao período de Julho de 2007 a Julho de 2008 , Lisboa, Setembro de 2008, p. 6). Provando, em todo o caso, que não é nula a eficiência tuteladora do regime legal, estes valores podem ser qualificados como baixos, o que parece justificar a mencionada posição de cepticismo. Mas o juízo de eficiência não pode deixar de ser um juízo relativo , de gradação comparativa das soluções alternativas de disciplina legal. Ora, não se afigura que um aconselhamento segundo o modelo alemão se possa louvar de melhores resultados, a dar crédito a um inquérito realizado pelo Max-Planck Institut , que apresentou uma projecção de 5% de desis­ tências (cfr. João Loureiro, “Aborto: algumas questões jurídico-constitucionais A propósito de uma reforma legislativa”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , LXXIV (1998), pp. 327 a 372). E, se bem virmos, estes números não surpreendem, pois a procura dos serviços médicos, com vista à interrupção da gravidez, traduz, em regra, um grau de determinação volitiva da gestante dificilmente con- trariável pela ordem jurídica. “A esmagadora maioria das mulheres que se decide a abortar está disposta a fazê-lo mesmo que tal não seja admitido pelo sistema jurídico”, reconhece até um Autor que se pronuncia pela inconstitucionalidade de qualquer solução de prazos (João Loureiro, ob. loc. cit .). Se tivermos também presente a ineficiência da punição penal, a conclusão a tirar é a de que será sempre reduzida a eficácia preventiva de qualquer das formas de reacção jurídica à interrupção voluntária da gravi- dez, no quadro da específica disciplina legal desse acto. Mais do que com os limites do direito penal, somos aqui confrontados com os limites do Direito (nesse sentido, Georg Hermes/Susanne Walther, “Schwanger- schaftsabbruch zwischen Recht und Unrecht. Das zweite Abtreibungsurteil des BVerfG und seine Folgen”, in Neue Juristische Wochenschrisft 1993, pp. 2 337 a 2 341). O mínimo de protecção exigível será sempre, nessa medida, o mínimo possível, dentro desses limites. Quanto aos limites jurídicos, eles resultam da necessária conciliação do princípio de proibição do défice de tutela com outros princípios eventualmente colidentes, pois o imperativo de protecção não goza de pri- mado absoluto dentro da ordem constitucional. Pelo contrário, tem sido sustentada “a eficácia mais ténue da função de imperativo de tutela, (…) substancialmente mais fraca do que a da função dos direitos fundamen- tais como proibições de intervenção” (Canaris, ob. cit ., p. 65). É seguro, pelo menos, que a observância desse imperativo não legitima a invasão incondicionada da esfera protegida dos direitos fundamentais de outros sujeitos (Georg Hermes/Susanne Walter, ob. loc. cit .). Voltando a acentuar uma ideia-chave, nesta matéria, há que lembrar que o espaço de livre conforma- ção do legislador não está apenas limitado pela proibição de insuficiência, mas também pelo princípio da proporcionalidade, nas suas várias componentes. Sendo assim, as sérias dificuldades (se não, mesmo, impos- sibilidade) de satisfação cabal do primeiro princípio, quando o seu âmbito de aplicação é (indevidamente) restringido ao processo de decisão do acto de abortar, não deve reverter na lesão do segundo, sob pena de nenhum dos dois ser adequadamente observado…

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