TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

183 ACÓRDÃO N.º 75/10 Mas o reconhecimento dos limites fácticos e jurídicos da tutela através da disciplina legal do acto abor­ tivo e dos trâmites que o antecedem deve ser acompanhado da consciência de que o cumprimento do dever de protecção da vida pré-natal não se realiza apenas nessa sede. Ao Estado cabe combater, na sua génese, as “situações de risco” para esse bem, causadas por factores de educação e por condições de vida e de trabalho, através de medidas educativas e de política social favorecedoras de uma concepção responsável e da disponi­ bilidade para a prossecução da gravidez. Quando se trata de valorar globalmente a efectivação, pelo Estado, do mínimo de protecção da vida intra-uterina a que está obrigado, essas medidas devem ser contabilizadas, pois também elas (melhor, sobretudo elas) contribuem para uma redução do número de abortos – o objec- tivo da imposição daquele dever. E a realista avaliação de que não é de esperar um resultado expressivo, nesse sentido, do regime legal da interrupção voluntária da gravidez só deve conduzir a uma apreciação redobrada- mente positiva, também nesta perspectiva, de instrumentos preventivos, actuantes no domínio da educação sexual e planeamento familiar e de apoio à maternidade e à família, mais distantes, mas mais eficazes. E medidas desta natureza, recomendadas pelas instâncias europeias, como instrumentos de diminuição do recurso ao aborto – cfr., em particular, a “Resolução do Parlamento Europeu sobre Direitos em Matéria de Saúde Sexual e Reprodutiva”, de 2003, já referenciada no Acórdão n.º 617/06 – têm sido introduzidas, no nosso ordenamento jurídico, por numerosos diplomas. Para além dos já mencionados nesse aresto, têm uma actuação particularmente significativa, neste campo, o Decreto-Lei n.º 105/2008, de 25 de Junho, que institui medidas sociais de reforço da protecção social na maternidade, paternidade e adopção integradas no subsistema de solidariedade; o Decreto-Lei n.º 245/2008, de 18 de Dezembro (procede à alteração do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, o qual passou a prever o abono de família pré-natal como forma de protecção nos encargos familiares); o Código do Trabalho, revisto pela Lei n.º 7/2007, de 12 de Fevereiro, o qual contém toda uma subsecção (Subsecção IV da Secção II do Capítulo II – artigos 33.º a 65.º) dedicada à “parentalidade”, com disposições tuteladoras dessa situação familiar; o Decreto-Lei n.º 91/2009, de 29 de Abril, que estabelece o regime jurídico de pro- tecção social na parentalidade, no âmbito do sistema previdencial e no subsistema de solidariedade (revoga o Decreto-Lei n.º 105/2008, de 25 de Junho); a Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto, que estabelece o regime de aplicação de educação sexual em meio escolar e o Decreto-Lei n.º 201/2009, de 28 de Agosto, que procede à alteração do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, o qual passou a prever a bolsa de estudo como forma de protecção nos encargos familiares. É de concluir que vigora, no nosso sistema, um conjunto diversificado de medidas, em número e com um alcance bastante para que, tendo-as também em conta, se possa sustentar que o Estado português não cruza os braços perante o fenómeno do aborto, antes está activamente empenhado em combatê-lo. De resto, na nossa história legislativa, a regulação da prática da interrupção voluntária da gravidez, foi associada, desde o início, aquando da implantação do “modelo das indicações”, a intervenções com vista à “protecção activa da maternidade”. De facto, em 1984, a Assembleia da República não aprovou apenas uma lei sobre interrupção voluntária da gravidez: definiu um complexo de instrumentos legais tendentes a asse­ gurar apoio à maternidade. Visou-se, intencionalmente, a criação de um edifício legislativo composto por várias peças, actuantes articuladamente no mesmo sentido, de forma a potenciar a eficácia interventiva do conjunto – cfr. o Relatório de José de Magalhães, cit ., pp. 3-4. Poderá, porventura, alegar-se que, entre nós, as prestações públicas de educação sexual e de apoio à maternidade estão ainda longe de atingir o grau de eficiência já alcançado pelos países mais avançados, neste domínio. Mas não pode esquecer-se que o que está em causa é um mínimo de protecção, não a protecção ideal. 11.4.19. Por todo o exposto, pode concluir-se que as normas dos artigos 1.º – na parte em introduz a alínea e) do n.º 1 e a alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal –, 2.º, n.º 2, e 6.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, não estão feridas de inconstitucionalidade, por violação do artigo 24.º, n.º 1, da Constituição.

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