TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11.5. O período mínimo de reflexão [alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal] Ainda dentro do quadrante valorativo respeitante ao alegado incumprimento do dever de protecção da vida humana, os requerentes pretendem a declaração de inconstitucionalidade da opção normativa que, no âmbito do regime jurídico instituído pela Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, limita a três dias o prazo mínimo de reflexão que medeia entre a realização da primeira consulta médica e a prestação do consentimento para a realização da interrupção da gravidez, considerando-a conflituante com o artigo 24.º da CRP. A solução contestada pelos requerentes encontra-se expressa na alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 16/2007. Dispõe-se aí o seguinte: “4 – O consentimento é prestado: a) […] b) No caso referido na alínea e) do n.º 1, em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo, o qual deve ser entregue no estabelecimento de saúde até ao momento da intervenção e sempre após um período de refle xão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta destinada a facultar à mulher grávida o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável.” Para além de questionarem a solução de base constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal e o regime da consulta obrigatória para dar satisfação ao mandamento constitucional de protecção da vida intra-uterina, os requerentes impugnaram também especificamente o segmento normativo do preceito acima transcrito que fixa em três dias o período mínimo de reflexão entre a consulta e a prestação do con- sentimento. Em seu entender, esse prazo é excessivamente curto, estando em causa uma decisão que se quer livre, consciente e responsável, e de que pode resultar a lesão irreversível da vida humana. Mesmo a admitir-se que a restante modelação da disciplina legal satisfaz o imperativo de protecção inferível do artigo 24.º da Constituição – o que os requerentes não concedem – a brevidade daquele prazo é de molde a comprometer o cumprimento desse dever de protecção. Mas também não merece este juízo a extensão temporal do período de reflexão. Consagram-se, em direito comparado, é certo, períodos mais alongados. Tendo em conta, todavia, a premência do tempo, para a não ultrapassagem do limite das 10 semanas, e o facto de a procura dos serviços ser já o resultado de uma reflexão anterior da grávida, o prazo de três dias é adequado, mostrando-se suficiente para lhe proporcionar uma ponderação consciente daquilo que ouviu na consulta. E é puramente especulativo pensar que um período de maior duração contribuiria para o aumento da taxa de desistências. Com efeito, não é possível estabelecer uma qualquer relação de inferência directa entre o sentido da decisão final da gestante e a duração do prazo destinado à sua reflexão após a realização da con- sulta a que se refere o artigo 2.º da Lei n.º 16/2007. Inexiste, assim, fundamento racionalmente sustentável para concluir que uma duração do período de reflexão superior àquela que se encontra prevista fosse suscep- tível de assegurar em maior medida o favorecimento de comportamentos espontâneos compatíveis com a prossecução da gravidez. De resto, trata-se de um prazo mínimo (contrariamente aos prazos, de direito do consumo, argumen- tativamente invocados no pedido), nada obstando (antes tudo aconselhando) a que, em caso de persistência de dúvidas da gestante, no termo desse período, a intervenção, no limite das 10 semanas, seja retardada, de modo a não impossibilitar uma definitiva decisão em contrário. A duração do período de reflexão legalmente prevista, em si mesma e no contexto da normação em que se insere, não constitui, pois, um elemento susceptível de fazer fracassar o sistema, no confronto com as injunções de sentido procedentes do artigo 24.º da CRP, pelo que não está ferida de inconstitucionalidade.
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