TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
185 ACÓRDÃO N.º 75/10 11.6. Violação do direito à saúde física e psíquica da mulher Vem também alegado que o regime da Lei n.º 16/2007, na medida em que não protege a saúde física e mental da mulher, atenta contra o disposto nos artigos 64.º, n. os 1 e 2, alínea b) , e no artigo 66.º, n.º 1, da CRP. A alegação consta do ponto Z) das conclusões, formulado nos seguintes termos: “Sendo hoje reconhecido o aborto como um acto de risco para a saúde física e mental da mulher, e dando por assente o aborto por carências económicas, o regime fixado na Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, liberta o Estado da sua função de solidariedade e protecção da saúde física e psíquica, violando, assim, o disposto nos artigos 64.º, n. os 1 e 2, alínea b) , e 66.º, n.º 1, da CRP.” O pedido não referencia a norma ou complexo de normas a que concretamente seja de imputar o ale- gado vício, apontando apenas, em termos vagos, “o regime fixado na Lei n.º 16/2007”. A motivação também não ajuda a concretizar. Nela pode ler-se, quanto a este ponto: “Sabe-se hoje que o aborto constitui, para a mulher, uma chaga e uma fonte de doença gravíssima: o trauma pós-aborto. Permitir que as mulheres corram este risco de doença para o resto da vida por um aborto, às vezes feito por falta de condições económicas ou sociais ou, meramente, por motivos fúteis ou ainda porque as mulheres são vítimas de maus-tratos familiares, é deixar totalmente desprotegido o direito à saúde que ao Estado cabe fazer cumprir e implementar. Recorde-se, a título de exemplo, as políticas que hoje, por via deste dever constitucional atribuído ao Estado, estão em vigor com vista a eliminar os riscos de vida ou para a saúde das pessoas, de que são casos bem exemplifi- cativos a circulação automóvel, o tabagismo, etc… Trata-se de políticas que restringem a liberdade individual, atento o bem maior que é saúde ou a vida”. Não obstante a falta de indicação precisa da norma ou normas questionadas, parece poder deduzir-se desta argumentação que em causa estão as normas do diploma de que mais directamente resulta, na óptica do pedido, um favorecimento das práticas abortivas. Ou seja, as mesmas normas já anteriormente aprecia- das, pelo prisma do artigo 24.º da Constituição, e muito em especial a alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, na redacção ao artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, a alínea b) do n.º 4 do referido artigo 142.º, e o n.º 2 do artigo 2.º daquela Lei. A ideia fundante será a de que, ao não reprimir a interrupção voluntária da gravidez, por meios de direi to penal, ou, pelo menos, ao não dissuadir a sua prática, por meios substitutivos adequados, o Estado não está a cumprir o seu dever de protecção da saúde física ou psíquica da grávida, posta em risco por aquelas intervenções interruptivas. Assim sinteticamente formulada, que dizer desta invocada questão de constitucionalidade? Quanto aos parâmetros constitucionais invocados, é de afastar liminarmente o consagrado no artigo 66.º, n.º 1, cujo âmbito de protecção – o ambiente e a qualidade de vida – nada tem a ver, como é manifesto, com o bem em causa. Ainda que o preceito releve de uma “teleologia antropocêntrica” (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob.cit. , p. 845), encarando a defesa e promoção de um ambiente sadio como um factor da qualidade de vida, nele nada se estatui que possa ter repercussão, directa ou indirecta, na criação de condições de vivência social dissuasoras das interrupções voluntárias da gravidez. Sob o ponto de vista do direito à saúde, é evidente que, mesmo quando realizada nas condições médico- -sanitárias adequadas, a interrupção voluntária da gravidez comporta algum risco (risco, em todo o caso, tanto menor quanto mais precoce for a intervenção). Não se nega que possa haver sequelas nefastas, mesmo de carácter não transitório, sobretudo para a saúde psíquica da mulher, dados os sentimentos de perda e de culpa frequentemente associados à realização daquele acto.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=