TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

189 ACÓRDÃO N.º 75/10 Este problema, pela própria natureza dos fundamentos em que assenta, tem o seu sentido dependente da circunstância de se tratar do progenitor biológico do nascituro comum, não sendo configurável, pelo menos com idêntico significado, em relação ao progenitor presumido de acordo com o critério nupcialista, sempre que esteja posta em causa a sua coincidência com o progenitor biológico. Isto significa, de um ponto de vista operativo, que o problema da dispensa do consentimento do pro- genitor para a realização da interrupção voluntária da gravidez prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal acaba por ficar juridicamente confinado aos casos de funcionamento não controvertido da presunção de paternidade derivada do casamento: àqueles em que a mulher grávida é casada, a concepção ocorreu na constância do matrimónio e não é produzida pela gestante qualquer declaração contrária à pre- sunção legal de paternidade. 11.8.3. De entre as normas paramétricas convocadas pelos requerentes, aquelas que mais directa- mente se cruzam com a fundamentação do pedido e se encontram tematicamente mais próximas da matriz conflitual do problema são as constantes dos artigos 13.º, 36.º, n. os 3 e 5, 67.º, alínea d) , e 68.º, todos da Constituição. Previamente à determinação do grau de conflitualidade possível da solução normativa questionada com cada uma dessas normas, importa clarificar os termos em que estas se relacionam entre si e deste modo esta- belecer a pertinência relativa de cada uma delas, para a valoração que o problema suscita. Conforme referem Gomes Canotilho/Vital Moreira ( ob. cit., p. 561), no artigo 36.º da Constituição reconhecem-se e garantem-se os direitos relativos à família, ao casamento e à filiação, direitos esses de quatro ordens: “ a) direito das pessoas a constituírem família e a casarem-se (n. os 1 e 2); b) direitos dos cônjuges no âmbito familiar e extrafamiliar (n.º 3); c) direitos dos pais em relação aos filhos (n. os 5 e 6); d) direitos dos filhos (n. os 4, 5, 2.ª parte, e 6)”. Confrontando este artigo com os artigos 67.º e 68.º da CRP – «que reconhecem “direitos sociais” cujos titulares são aparentemente comuns» –, regista-se, todavia, que “no artigo 67.º é a própria família, enquanto tal (e não as pessoas), que aparece como sujeito do direito à protecção da sociedade e do Estado; no artigo 68.º, já os titulares do direito são também os pais e as mães mas o destinatário desse direito é a sociedade e o Estado (…)”. Tal perspectiva é também a de Jorge Miranda/Rui Medeiros. Segundo os referidos Autores, “enquanto no artigo 36.º avulta sobretudo a dimensão individual-subjectiva dos direitos dos membros da família, in- cluindo desde logo o próprio direito a constituir família, quer ainda, no que toca à família como um todo, a dimensão de liberdade, o artigo 67.º, se bem que sem perder de vista o objectivo da realização pessoal dos seus membros, tutela fundamentalmente a própria família como instituição e impõe em particular ao Estado o dever de a proteger positivamente” ( Constituição Portuguesa Anotada , ob. cit. , I, p. 689). No artigo 67.º – prosseguem ainda – a Constituição “impõe ao Estado um conjunto de incumbências destinadas a proteger, pela positiva, a família e a vida familiar”, enumerando o respectivo n.º 2, “a título exemplificativo (…) algumas das acções que o Estado deverá promover em ordem à protecção da família” ( ob. cit ., p. 693). Enquanto que no artigo 36.º, n.º 5, a Constituição garante aos pais o direito e lhes impõe o dever de educação e manutenção dos filhos, o artigo 68.º confere-lhes o “direito à protecção (isto é, ao auxílio) da socie­ dade e do Estado no desempenho dessa tarefa”, conferindo-lhes, deste ponto de vista, «um “direito social” em sentido próprio, traduzido essencialmente em um direito a prestações públicas, a concretizar por lei», valendo igualmente “face à sociedade, ou seja, face os particulares (…), nos termos das leis concretizadoras deste direito”. 11.8.4. Fixado o alcance essencial das normas constitucionais de tutela da família e dos seus membros (no quadro das relações familiares), em si e na sua articulação recíproca, torna-se patente que, no contexto do controlo da constitucionalidade do critério normativo que vem questionado, só faz sentido considerar a convocação dos parâmetros constantes do artigo 36.º

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