TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

190 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, consistindo esse critério na suficiência do consentimento da mulher grávida para a realiza- ção da interrupção da gravidez efectuada por opção daquela, dispensando o do progenitor, o campo norma- tivo para que o discurso sobre a respectiva viabilidade constitucional é directamente remetido não é o dos direitos sociais relativos às incumbências do Estado na protecção da família e da vida familiar (artigo 67.º), ou à protecção dos pais e mães pela sociedade e pelo Estado, nem mesmo o dos valores constitucionais objec­ tivos da maternidade e paternidade (artigo 68.º), mas sim o do estatuto constitucional dos progenitores, no contexto da relação de família. As referências de sentido susceptíveis de conflituar com a solução normativa impugnada são, pois, em primeira linha, as procedentes da dimensão individual-subjectiva dos direitos dos membros da família. E essa é matéria que aponta para o âmbito normativo do artigo 36.º da Constituição. Das normas enunciadas neste artigo, e uma vez que a “plena igualdade” assegurada no n.º 1 se refere ao “direito de constituir família e de contrair casamento”, a constante do n.º 3 assume, prima facie , centralidade, para o problema em apreço. Reza essa norma que “os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.” No segmento que para aqui importa (2.ª parte), interdita-se qualquer discriminação jurídica entre os cônjuges, no exercício do poder-dever, consagrado no n.º 5 do mesmo artigo, de educação e manutenção dos filhos – regra extensível, por identidade de razão, a todas as outras situações de progenitura de um filho comum (se bem que, conforme já se viu, o problema relativo à delimitação dos titulares do poder de consentir na realização da interrupção voluntária da gravidez não possa, nestas situa- ções, colocar-se nos mesmos termos em que se coloca quanto a pais casados). Mas, ainda que muito expressiva do valor constitucional do princípio da igualdade, de que constitui um corolário e uma manifestação particular, é meridianamente claro que a norma tem em vista os filhos já nascidos, uma vez que o referente objectivo é “a manutenção e educação” dos mesmos. Ora, o que aqui se questiona é a exigibilidade do consentimento do progenitor, no mesmo plano e com a mesma eficácia do da gestante, para a interrupção voluntária da gravidez. O mesmo é dizer, em causa está a participação volitiva do interveniente masculino na concepção numa decisão de que dependerá o nascimento futuro, ou não, de um filho. Questão que, não só incide sobre um (eventual) conflito de distinta configuração, como também se rege por coordenadas valorativas não coincidentes com as especificamente actuantes no n.º 3 do artigo 36.º Tal como as restantes normas convocadas, atinentes à esfera da família, da paternidade e da materni- dade, também o n.º 3 do artigo 36.º se revela, pois, imprestável para servir de critério constitucional de apreciação do regime em apreço. Temos, assim, que, remontar ao princípio da igualdade, na sua enunciação mais genérica (artigo 13.º da CRP), no quadro do qual deve ser proferida a palavra final sobre a questão. 11.8.5. De um modo geral, pode dizer-se que o princípio da igualdade, entendido como limite objec- tivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de todas e quaisquer distinções, mas apenas daquelas que se revelem materialmente infundadas e careçam, por isso, de justificação objectiva e racional (neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão n.º 250/00). Se assim é, a questão que se coloca poderá enunciar-se da seguinte forma: A inexigibilidade do consentimento do progenitor para a realização da interrupção da gravidez con- templada na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal exprime, em confronto com a suficiência do consentimento da grávida, uma distinção materialmente infundada, carecida de justificação objectiva e racional e, por isso, violadora do princípio da igualdade dos progenitores? No Acórdão n.º 25/84, o Tribunal Constitucional concluiu que o princípio da igualdade de ambos os cônjuges à manutenção dos filhos (artigo 36.º, n.º 3) não era infringido por uma norma legal que apenas exigia o consentimento da mulher grávida para efeitos de interrupção da gravidez. Estava então em causa a apreciação, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, das normas constantes dos artigos 140.º e 141.º do Código Penal, na redacção que lhes viria a ser conferida pelo artigo 1.º da Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, ou seja, das alterações ao regime penal do aborto que introduziram

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