TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
192 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal ou no acompanhamento das mulheres grávidas a que haja lugar durante o período de reflexão.” A consulta prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal, destina-se a facultar à mulher grávida “o acesso à informação relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável”. O conteúdo dessa informação vem explicitado, como já vimos, no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007. A apreciação da constitucionalidade da regra legal impugnada pressupõe a prévia compreensão do fun- damento material que, do ponto de vista da unidade do sistema em que se insere, lhe pode ser racionalmente associado. Já acima tratámos desenvolvidamente das razões, tidas por justificativas, da opção primária de exclusão da punibilidade, dentro de certo prazo, da interrupção voluntária da gravidez. Quanto ao modo operativo desta opção, o nosso direito, tendo-se decidido pela obrigatoriedade de uma consulta prévia à prestação do consentimento, não explicitou nominalmente a finalidade dessa consulta, como sendo a de encorajar a grávida a levar a termo o processo de gestação – nisso, aliás, se colocando a par da generalidade dos que seguiram idêntica directriz de base, com a excepção única do direito alemão. E também esta opção de segundo grau foi tida por defensável, no quadro da unidade de conjunto das ponderações valorativas do legislador, não censuradas, em que se integra. É dentro deste sistema regulador, e em perfeita coerência com as soluções previamente encontradas para os pontos centrais da disciplina legal, que se perfila o regime do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 16/2007. Também ele é expressão da mesma ideia de que a grávida deve ser institucionalmente preservada de qualquer forma de ingerência no desenvolvimento “interno” do seu processo decisório, mesmo daquelas que se tradu- zem apenas em comunicações de cunho declaradamente orientativo. É a esse terreno, na verdade, que nos conduz a captação da finalidade da exclusão da possibilidade de participação na consulta que precede a concretização da interrupção da gravidez dos médicos objectores de consciência relativamente a qualquer dos actos respeitantes a esse acto. Ela reporta-se funcionalmente à intencionalidade global do sistema instituído pela Lei n.º 16/2007, visando o conjunto das disposições do artigo 6.º estabelecer uma disciplina respeitadora dos ditames de consciência dos médicos, mas que dê também satisfação às exigências de funcionamento dos serviços que operacionalizam esse sistema em moldes sintonizados com as coordenadas que o informam. E fá-lo em termos que não suscitam reparos constitucionais. 11.9.2. Tenha-se em conta, em primeiro lugar, que a garantia do direito à objecção de consciência está submetida a uma reserva de lei, pois é concedida “nos termos da lei” (artigo 41.º, n.º 6, da CRP). Não parece desrazoável ou desproporcionado, em face desta remissão para a lei, que seja esta, e não o objector, a delimitar o âmbito sobre que a objecção incide (desde que, evidentemente, não ponha em causa a satisfação da razão de consciência que dá “conteúdo essencial” ao direito à objecção). A interrupção voluntária da gravidez é um processo unitário, composto por um encadeamento de actos, preparatórios e executivos. Não é arbitrário que, uma vez manifestado pelo médico um impedimento de consciência em participar nos últimos, a lei o estenda à consulta prévia. É certo que, com essa extensão, o legislador vai para além do que seria estritamente necessário à pro- tecção do objector. Mas o que não é menos certo é que, com essa decisão, resultante da livre avaliação que o legislador faz da incidência da objecção de consciência no cumprimento do programa de ordenação que estabeleceu, com a sua racionalidade própria, ele não compromete o mínimo de protecção da vida-uterina, não viola o princípio da igualdade, assim como não viola a integridade moral nem o direito ao bom nome dos médicos objectores. Quanto à primeira arguição, que, mais uma vez, convoca o disposto no artigo 24.º da CRP, deixa-se subentendido que a solução gera unilateralidade do conteúdo informativo, pois silencia as vozes de quantos estariam mais activamente disponíveis para apresentar à grávida razões favorecedoras da prossecução da
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