TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

193 ACÓRDÃO N.º 75/10 gravidez. Não sendo controlada “a opinião dos médicos que vão à consulta”, a “desigualdade daí derivada” seria “mais um argumento para mostrar o inadmissível da assimetria informativa“. Ora, quando se fala, neste contexto, em “assimetria informativa”, parece assumir-se como ideal da estrutura de informação o estabelecimento de uma espécie de contraditório perante a grávida, em que aos partidários e adversários do aborto fosse concedida igual oportunidade de expenderem as suas razões. Estará em mente um desenrolar de uma dialéctica argumentativa, em que teriam ocasião de se manifestar concepções antagónicas. Esta representação falha rotundamente, pois parte de um grave equívoco quanto à posição dos médicos que não se negam a participar na interrupção voluntária da gravidez. Eles não podem ser considerados a favor do aborto, mas apenas médicos que, valorando-o seguramente como um mal, estão, todavia, dispostos a colaborar no cumprimento da lei. Nem, na lógica do sistema, o resultado da consulta e subsequente reflexão é feito depender do empenho que os operadores profissionais mostrem num determinado sentido da decisão. Pelo contrário. O que se visa é a exposição objectiva, num clima de serenidade e de absoluto respeito pela autonomia decisória da grávida, de uma série de apoios susceptíveis de a levar a considerar, de moto próprio, viável a solução alternativa à interrupção da gravidez. Pode atribuir-se a este regime uma eficiência reduzida e menor do que a que gozam outros sistemas – ideia, esta última, já suficientemente contrariada. Mas o que não tem razão de ser, por inteiramente desfasado dos critérios que informam a disciplina legal e deturpador do papel que é atribuído à prestação profissional dos médicos, na fase da consulta, é o entendimento de que a exclusão dos médicos objectores de consciência diminui o nível da protecção que seja de imputar a uma tal disciplina. 11.9.3. A alegação de que o princípio da igualdade é ofendido aponta para a dimensão do princípio que se traduz na proibição de discriminações (n.º 2 do artigo 13.º da CRP). Estaríamos em face de uma diferenciação de tratamento baseada num certo conteúdo de consciência, na manifestação de uma convicção de ordem moral, ou seja, em razão de uma das categorias “suspeitas”, exemplificativamente mencionada naquele preceito. A afirmação peca, todavia, por uma invocação mecanicista do princípio da igualdade, sem a atenção devida ao seu fundamento axiológico. O que decorre do princípio, em veste da proibição de discriminações, não é a exigência de igual tratamento, mas a de “tratamento como igual”, um tratamento que dê mostras da “igual consideração e respeito” de que todas as pessoas são credoras – para utilizarmos conhecidas expressões de Dworkin. Ora, a solução questionada, ainda que isentando os médicos objectores de consciência do cumprimento de um dever, não corporiza uma diferenciação “negativa”, no sentido de revelar uma desqualificação da aptidão funcional desses médicos ou uma suspeição quanto à sua idoneidade profissional. Não os desvaloriza ou desrespeita; apenas retira de um impedimento de participação, livremente manifestado pelos próprios, consequências sistemicamente adequadas, em face do modelo legalmente definido. O legislador aceitou a recusa de participação, por objecção de consciência, na execução do acto de inter- rupção de gravidez – de forma, aliás, generosa, pois a eficácia da objecção está aqui dependente apenas de declaração do interessado (n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 16/2007), o que não é comum. Com isso, suporta os efeitos desfavoráveis que uma tal recusa, quando em número considerável, pode acarretar para a eficácia da resposta global dos serviços às solicitações a que fiquem sujeitos. Dir-se-á, com razão, que não poderia ser de outro modo, tendo em conta a força jurídica da garantia constitucional de liberdade de consciência. Mas, o que não se vê é porque é que essa aceitação de uma recusa de participação compromete o legislador em termos de este ficar obrigado a reconhecer um direito de participação selectiva, de acordo com a variável disposição individual de cada objector, com as dificuldades de organização daí advenientes, sob pena de poder ser acusado de violação do princípio da igualdade. O regime questionado não é, pois, susceptível de ofender o princípio da igualdade.

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