TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
195 ACÓRDÃO N.º 75/10 integração autêntica da lei através de acto normativo não legislativo – aqui de natureza regulamentar – e a da violação do princípio da legalidade, na dimensão de reserva de lei material, esta consagrada, quanto aos direitos, liberdades e garantias, na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP e, quanto à definição dos crimes e respectivos pressupostos, na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP. Relativamente à segunda das questões enunciadas, os requerentes convocam apenas o parâmetro de con- trole constituído pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, preceito segundo o qual, salvo autorização ao Governo, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as matérias de direitos, liberdades e garantias. A propósito da delimitação do âmbito material dessa norma, regista-se na doutrina o entendimento de que «a reserva abrange as matérias versadas nos títulos I e II da parte I, por referência a todos os seus precei- tos, independentemente da análise estrutural das situações aí contempladas, mesmo que, em rigor, algumas não possam ser qualificadas como direitos fundamentais, mas apenas como garantias institucionais» (cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , II, p. 534). Nesta perspectiva, a posição do Tribunal segundo a qual a norma do artigo 24.º, n.º 1, da CRP, protege a vida humana intra-uterina como valor ou bem objectivo, sem concomitante atribuição de um verdadeiro direito subjectivo fundamental, não retira ao regime jurídico sobre a interrupção voluntária da gravidez o carácter de disciplina normativa em matéria de direitos, liberdades e garantias, para efeitos de delimitação do âmbito de reserva de lei. Mas, para além do parâmetro da alínea b) do artigo 165.º, também o da alínea c) do mesmo preceito pode ser chamado à colação, para apreciar a questão posta. É certo que o aspecto do regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez consistente na modela- ção da consulta informativa que precede a prestação do consentimento pela gestante não procede directa- mente à delimitação negativa do bem jurídico-constitucional “vida intra-uterina”, consistindo antes numa condição positiva dessa delimitação. Todavia, ainda que de tal circunstância fosse de retirar fundamento idóneo para contestar a possibili- dade de qualificar esse aspecto – e, portanto, a própria norma do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 – como elemento ele próprio integrante do sistema de delimitação negativa do valor da vida intra-uterina justifica- tivo da aplicação do regime de direitos liberdades e garantias, parece que a relação de dependência normativa entre a realização da consulta informativa contemplada no n.º 2 do artigo 2.º e a validade e/ou eficácia do consentimento da gestante para a realização da interrupção da gravidez a coberto da causa de exclusão da punibilidade constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, sempre permitiria a colocação do problema da eventual violação da reserva de lei através da convocação do parâmetro constituído pela alínea c) do artigo 165.º da CRP. A análise que se segue assentará neste pressuposto. 11.10.3. Segundo a pretensão formulada pelos requerentes, a violação do artigo 112.º, n.º 5, da Consti- tuição resultaria de o artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 conferir a uma portaria o poder de integrar uma norma ínsita num acto legislativo, não sendo tal portaria, por sua vez, um acto legislativo previsto pelo artigo 112.º, n.º 1. O n.º 5 do artigo 112.º da CRP corresponde ao n.º 5 do artigo 115.º, na versão anterior à revisão de 1997, tendo este, por sua vez, sido aditado pela revisão constitucional de 1982. No segmento que importa aqui considerar, tal preceito veio inconstitucionalizar os preceitos legais que habilitem a Administração a realizar uma integração regulamentar de normas legais: a integração (tal como a interpretação autêntica) de uma lei só por outra lei pode ser feita, e não por um regulamento (cfr. o Acórdão n.º 451/01). Conforme este Tribunal, por diversas vezes, afirmou, o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição é uma norma dirigida ao legislador e não ao poder regulamentar , o que significa que o parâmetro de controlo que dele se extrai tem por objecto a norma legal que, contra o ali preceituado e infringindo a proibição de delegação,
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