TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL cometa a “actos de outra natureza” ( v. g. regulamentos, despachos normativos) a sua interpretação ou inte­ gração autêntica com eficácia externa – a norma legal que seja a lei habilitante daquela norma regulamentar. Isto sem prejuízo de a invalidação por inconstitucionalidade da norma legal habilitante gerar consequen- cialmente a invalidação da norma regulamentar, por falta de suporte ou base legal, no momento em que foi emitida (neste sentido, por todos, o Acórdão n.º 451/01). De acordo com entendimento doutrinal estabilizado, o n.º 5 do artigo 112.º da CRP “não proíbe os chamados reenvios normativos (ou remissões normativas), designadamente nos casos em que a lei remete para a administração a edição de normas regulamentares executivas” (referidas a preceitos específicos) «ou complementares (referidas genericamente a toda uma lei) “da disciplina por ela estabelecida”.» De acordo com “a natureza e os limites constitucionais dos poderes de normação regulamentar executiva ou complementar da administração”, a norma regulamentar visará, neste caso, «regular aquilo que a lei se absteve de regular e não “integrar” a regulamentação legislativa (…), pelo que o regulamento nunca pode intervir sub specie legis » (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit ., 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 512). Nesta linha, o juízo de inconstitucionalidade reivindicado pressuporá a qualificação do reenvio norma- tivo efectuado pelo artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 como uma remissão habilitante da edição, através de portaria, de normas regulamentares integrativas, contendo disciplina praeter legem , em contraposição a uma sua qualificação como mero regulamento de execução complementar daquele preceito legal. A integração do reenvio normativo a que procede a norma legal do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, numa destas duas categorias implica a caracterização do objecto possível da portaria, segundo os termos pre- conizados pela própria remissão, constantes da norma legal habilitante. 11.10.4. Segundo o regime instituído pela Lei n.º 16/2007, a não punibilidade da interrupção volun­ tária da gravidez realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gestação, depende, além do mais, de uma consulta prévia. Tal consulta encontra-se regulada no artigo 2.º daquela Lei, em cujo n.º 2 se inscreve a norma aqui impugnada. Do ponto de vista da relação que intercede entre a efectiva realização da consulta prévia, nos termos do regime definido no artigo 2.º, e a operatividade da fattispecie consagrada na actual alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, a Lei n.º 16/2007 é escassamente propiciadora das respostas que serviriam a uma mais detalhada e segura caracterização da disciplina jurídica globalmente instituída. Não obstante a atribuição de carácter obrigatório à consulta que haverá de preceder a prestação do consen- timento pela mulher grávida e a fixação do conteúdo informativo que, por tal meio, a esta haverá de ser previa- mente proporcionado, a lei não dispõe expressamente sobre as consequências que, para a gestante, por um lado, e para o médico interveniente, por outro, poderão advir da realização de uma interrupção voluntária da gravidez dentro das 10 primeiras semanas de gestação que não haja sido antecedida daquela consulta ou que, sendo-o embora, nela não tenha sido cumprido integralmente o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 16/2007. Nesta conformidade, a questão de saber se, nestes casos, a relevância criminal da actuação de um e de outro se encontrará ainda excluída por efeito da verificação dos elementos integrativos da previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, ou se, pelo menos no que concerne ao médico que realiza a interrupção, a tal exclusão se oporá a ausência ou incompletude do procedimento que deverá preceder a prestação de um consentimento válido e eficaz, poderá depender da solução do problema da determinação do estatuto que cabe à consulta prévia e respectivo regime no quadro da causa de impunibilidade prevista naquela alínea. Não deixará de registar-se, contudo, que, no âmbito da vigência do artigo 142.º do Código Penal, na versão subsistente até 2007, a doutrina propendia para considerar que, tal como os procedimentos referentes à comprovação da situação de indicação, também os referentes à prestação do consentimento constituíam, não apenas “meras formalidades”, mas “verdadeiras condições de funcionalidade do sistema”, pelo que a sua preterição implicaria a “ilicitude do acto abortivo” (cfr. Damião da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal , Coimbra, 1999, I, p. 156).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=