TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

197 ACÓRDÃO N.º 75/10 Tal ponto de vista, inteiramente transponível para o domínio da aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, tenderá a levar à conclusão de que só um consentimento válido e eficaz permitirá concluir pela licitude da prática abortiva realizada no âmbito de tal previsão e que a validade e eficácia do consentimento a prestar pela gestante dependem da realização de uma consulta prévia nos exactos termos previstos no artigo 2.º da Lei n.º 16/2007. Nesta perspectiva, os pressupostos materiais da consulta prévia regulada no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 contendem com a definição do crime. Assim sendo, caberá perguntar: encontrar-se-ão tais pressupostos definidos na Lei n.º 16/2007 ou terá esta, através do respectivo artigo 2.º, n.º 2, encarregue uma portaria de os definir? 11.10.5. A resposta apontaria necessariamente neste último sentido se a disciplina jurídica contida na Lei n.º 16/2007 se tivesse quedado pela previsão constante da alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal, ou seja, se se tivesse limitado a definir a informação cujo acesso deve ser facultado à grávida no âmbito da primeira consulta como a “relevante para a formação da sua decisão livre, consciente e responsável”, remetendo para portaria o preenchimento dessa cláusula geral. Assim não sucede, contudo. No n.º 2 do artigo 2.º, estabelece-se qual é a informação a prestar para que ela propicie a formação de uma decisão da gestante que mereça aqueles qualificativos, descrevendo-se, em termos que deverão conside­ rar-se taxativos e fechados – a enunciação contida nas quatro alíneas que integram a norma não é precedida da utilização do advérbio «designadamente» ou de outro de sentido equivalente –, os conteúdos e as temáti- cas do conhecimento que àquela deve ser proporcionado. A modelação primária da consulta prévia encontra-se, assim, exaurientemente traçada no artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, pelo que a remissão não contempla a possibilidade de extensão ou redução do âmbitoou da densidade informativos através de portaria. Os termos preconizados pelo reenvio circuns­ crevem o objecto possível do acto regulamentar à execução técnica dos dados normativos contidos na mode­ lação legal definida previamente. Neste sentido, à portaria apenas caberá executar tal conteúdo normativo, não sendo, por isso, a mesma susceptível de o integrar praeter legem ou de enunciar, ela mesma, critérios informativos adicionais e autónomos. A correcta interpretação do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 16/2007 não o coloca, pois, em conflito com o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, já que conduz a que o mesmo seja entendido como contendo um reen- vio normativo não proibido para um acto com as características de um regulamento estritamente executivo da disciplina normativa primária estabelecida integralmente em prévia norma legal habilitante. 11.10.6. Mas, apesar da natureza meramente executiva da portaria, haverá, ainda assim, violação do princípio da legalidade, na dimensão de reserva de lei material, pela norma remissiva do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007, ante o disposto na alínea b) , ou, mesmo, na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Con- stituição? De outro modo, ainda: a circunstância de o regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez incidir sobre matéria sob reserva de lei material nos termos do artigo 165.º da CRP excluirá em absoluto a possibilidade de colocação, através de norma legal remissiva, de certos dos seus aspectos sob intervenção de normas regulamentares? A Constituição não estabelece qualquer delimitação material entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar, nem fornece qualquer critério directo susceptível de ser utilizado para o efeito (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. ult. cit ., pp. 501 e 671). Deste ponto de vista, pode dizer-se que não existe um elenco de conteúdos temáticos constitucional- mente subtraídos à possibilidade de virem a ser objecto de normas regulamentares. Tal subtracção ocorrerá na medida em que for determinada pelo funcionamento dos limites constitu- cionais do poder regulamentar.

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