TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O primeiro desses limites é de ordem geral e diz respeito à inadmissibilidade constitucional dos chama- dos regulamentos autónomos, ou seja, daqueles que não carecem de fundamentar-se juridicamente numa específica lei anterior. O princípio da primariedade ou da precedência de lei limita a admissibilidade constitucional dos regu- lamentos aos chamados regulamentos pós-legislativos, ou seja, àqueles que, contrariamente ao que sucede com os autónomos, supõem uma lei prévia habilitante, ainda que, como sucede no caso dos regulamentos independentes, esta seja uma pura norma de reenvio para o regulamento em termos de neste vir a conter-se a disciplina inicial e primária. O segundo desses limites diz respeito à reserva de lei material. A matriz constitucional do relacionamento entre a lei e o regulamento cruza o plano dos limites consti- tucionais da reserva de lei, permitindo identificar distintos níveis de subordinação da actividade regulamen- tar à lei em que se fundamenta. Nesta perspectiva, o grau mínimo da escala é atingido na dimensão de reserva de lei meramente formal – aqui a necessidade de lei prévia habilitante serve apenas o objectivo de dar cumprimento ao princípio da pre- cedência da lei, tornando assim possíveis os regulamentos independentes – e o grau máximo nas matérias sob reserva legal material: nos casos em que a Constituição prevê que só através de lei pode regular-se determinada matéria, a lei não pode delegar tal competência à actividade regulamentar, pelo que os únicos regulamentos admitidos são os regulamentos estritamente executivos e instrumentais (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit ., p. 515). “O Executivo, neste domínio, só pode editar normas inovatórias sob a forma de decretos-leis, mediante autorização da Assembleia da República” (Afonso Queiró, “Teoria dos Regulamentos”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais , ano XXVII (1980), pp. 1 segs., p. 17). 11.10.7. Do enquadramento geral acabado de sintetizar resulta que, se a reserva de lei constitui um limite ao poder regulamentar, esse limite não se traduz na absoluta exclusão da possibilidade de edição, com fundamento em lei prévia, de normas regulamentares. Traduz-se, sim, na proibição de regulação por via regu- lamentar de quaisquer aspectos pertencentes à disciplina normativa inicial ou primária e, correlativamente, na circunscrição do conteúdo possível da incidência regulamentar aos aspectos técnicos ou secundários de um regime normativo previamente estabelecido na lei. A norma remissiva constante do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 significa um reenvio para a portaria do estabelecimento de algum aspecto do regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez que possa considerar-se pertencente ao âmbito da disciplina normativa primária? Do princípio da legalidade na dimensão de reserva de lei material não pode inferir-se que todos os aspectos atinentes à modelação do âmbito informativo da consulta prévia, mesmo os de índole estritamente técnica, “secundária” ou executiva, tenham necessariamente de constar de lei. Se com o princípio da legalidade na dimensão de reserva de lei seria incompatível uma remissão cujos termos habilitassem uma normação secundária a formular, quanto aos conteúdos e à dinâmica da consulta informativa, critérios valorativos independentes e autónomos, não o será já um reenvio que habilite um diploma de índole regulamentar a executar o conteúdo normativo preestabelecido na própria norma de remissão – entendimento já expresso, por este Tribunal, a propósito da relação entre a lei e o regulamento no âmbito das matérias sob reserva de lei constantes das alíneas c) (Acórdão n.º 427/95) e i) (Acórdão n.º 451/01) do artigo 165.º da Constituição. Ora, conforme já se evidenciou, a norma remissiva do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 16/2007 não se limita a remeter para portaria a definição do que seja a “informação relevante para a formação da (…) decisão livre, consciente e responsável” da gestante. Ao invés, estabelece, em termos esgotantes, os conteúdos dessa informação, apenas delegando na portaria a respectiva concretização técnica, não sendo, por isso, qualificável como norma em branco. Quer isto significar que o conteúdo informativo da consulta não resulta da portaria: os seus critérios encontram-se integralmente definidos na própria norma remissiva constante de lei parlamentar, pelo que a re-

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