TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

200 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL âmbito da competência regional, uma vez que a «saúde» está enunciada como matéria de interesse regional na alínea m) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. 12.2. A Lei n.º 16/2007 dispõe sobre a “Exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez”, estabelecendo o correspondente regime jurídico. Esse regime jurídico tem como elemento nuclear, como já sabemos, a revisão do artigo 142.º do Código Penal e o aditamento ao elenco constante do respectivo n.º 1 de uma nova previsão, através da qual é tornada não punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando realizada, por opção desta, nas primeiras 10 semanas de gravidez. Na modelação da disciplina jurídica desta nova previsão de interrupção voluntária da gravidez, a Lei­ n.º 16/2007 fixou pressupostos da não punibilidade desse acto. Parte significativa desses pressupostos prende-se com as condições de eficácia do consentimento. A elas se refere o regime especial constante dos n. os 4, alínea b) , 5 e 6 do artigo 142.º do Código Penal, na redacção do artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, segundo o qual o consentimento é prestado pessoalmente “em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo” ou, no caso de esta ser ”menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz”, pelo “representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral”, podendo ser dispensado se não for possível obtê-lo em tais termos e “a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência”, o que será decidido pelo médico “em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos”. Nesse âmbito se situa também a regra de subordinação da prestação do consentimento ao prévio decurso de um período de reflexão não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta [n.º 4, alínea b) , do artigo 142.º do Código Penal], bem como a conformação normativa da consulta no artigo 2.º, n.º 2. Da modelação do sistema instituído pela Lei n.º 16/2007 fazem ainda parte outros componentes nor- mativos abrangidos pelo objecto do pedido, designadamente os relativos ao “dever de sigilo profissional”, compreendendo estes a sua imposição aos médicos, demais profissionais de saúde e restante pessoal dos esta­ belecimentos de saúde, oficiais ou oficialmente reconhecidos, em que se pratique a interrupção voluntária da gravidez, relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções, bem como incriminação da respectiva violação nos termos previstos nos artigos 195.º e 196.º do Código Penal (artigo 5.º). Através da mobilização do conjunto dos elementos normativos acabados de enunciar, o legislador ordi­ nário procedeu à redefinição da protecção jurídico-penal do bem vida intra-uterina. Tal redefinição consistiu na ampliação integrada dos pressupostos negativos do crime de aborto, incluin­ do, por isso, a par da tipificação dos elementos normativos de contracção do âmbito de protecção da norma incriminadora, a caracterização, nos seus múltiplos aspectos, das condições dessa contracção. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, é da exclusiva competência da Assem­ bleia da República, salvo autorização ao governo, legislar sobre a “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal”. Segundo consensualmente estabelecido na doutrina, “na competência para a definição dos crimes está, necessariamente implícita, a competência para estabelecer causas de justificação e a competência para descriminalizar” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit ., p. 535), pertencendo à “reserva da Assembleia da República tanto a criminalização (ou a penalização), como a descriminalização (ou despenalização)” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit ., 3.ª edição, p. 672). O regime jurídico instituído pela Lei n.º 16/2007 situa-se no plano da remodelação do âmbito de pro- tecção de determinada norma incriminadora, incidindo, por isso, sobre matéria reservada à competência da Assembleia da República. Tratando-se de matéria reservada à competência da Assembleia da República, verifica-se o requisito de delimitação negativa da competência legislativa das regiões fixado nos artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1,

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