TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
201 ACÓRDÃO N.º 75/10 alíneas a) e b) , da CRP – o requisito consistente em se tratar de matéria não abrangida na reserva de com- petência legislativa dos órgãos de soberania, quer na reserva absoluta da Assembleia da República (artigos 161.º, 164.º e 293.º), quer na reserva relativa da Assembleia da República (artigo 165.º), embora ressalvadas aqui as hipóteses de concessão de autorização legislativa à Assembleia Legislativa da Região [artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , 2.ª parte, da CRP]. 12.3. A sediação do regime jurídico de “exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez” instituído pela Lei n.º 16/2007 no âmbito material da “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal” não é posta em causa pela circunstância de a contracção do sistema de protecção penal procedente do aditamento da fattispecie constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal supor, como seu elemento de conformação, a intervenção dos “estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos” e, na perspectiva dessa intervenção, inscreverno sistema conteúdos que o arrastam para uma zona de intercepção com o domínio normativo da “saúde”, esta considerada matéria de “interesse específico” pela alínea m) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, na versão aprovada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto. De um ponto de vista material, a disciplina jurídica instituída pela Lei n.º 16/2007 pertence à cate goria normativa dos pressupostos da incriminação e esta relação de pertinência não é desqualificada pela circunstância de a fattispecie com que é restringido o âmbito de protecção da norma incriminadora implicar, de acordo com a respectiva configuração normativa, a mobilização de elementos procedentes de um plano pertencente ao domínio orgânico e funcional da “saúde”. No contexto do regime jurídico instituído pela Lei n.º 16/2007, a reconfiguração do tipo penal pela via do aditamento de uma nova previsão de impunibilidade assume o estatuto de elemento absorvente, ou seja, de elemento que, para efeitos de classificação normativa dos conteúdos vinculativos editados, confere a sua própria natureza a cada um dos demais elementos do conjunto a que pertence. Tal conclusão é tanto mais evidente quanto certo é que os elementos contidos na disciplina jurídica instituída pela Lei n.º 16/2007 susceptíveis de incidir sobre a conformação da actividade dos agentes e orga nismos da saúde são privativos do seu relacionamento com a previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, não ultrapassando a medida suposta por essa relação de referência – a normação que para eles se contém é, deste ponto de vista, absolutamente funcionalizada à “exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez”. O efeito polarizador que, no plano material, é exercido pela sua natureza de definição dos pressupostos negativos do crime de interrupção voluntária da gravidez e respectivas condições projecta-se, ainda, quanto à disciplina jurídica instituída pela Lei n.º 16/2007, no plano da delimitação de competências entre os órgãos de soberania e as regiões. Decorre da jurisprudência deste Tribunal que o exercício do poder legislativo das regiões autónomas, mesmo após 2004, se continua a enquadrar pelos fundamentos da autonomia das regiões consagrados no artigo 225.º da CRP, cumprindo-lhe, em face do disposto no n.º 4 do artigo 112.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e no artigo 228.º, n.º 1, da Constituição, respeitar cumulativamente três requisitos: i) restringir- -se ao âmbito regional; ii) estarem em causa as matérias enunciadas no respectivo estatuto político‑adminis- trativo; iii) não incidir sobre matérias reservadas à competência dos órgãos de soberania (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 423/08). Assim, nos casos em que a matéria sobre que incida determinada disciplina jurídica deva considerar-se simultaneamente incluída em alguma das categorias elencadas nos artigos 164.º ou 165.º da Constituição e no catálogo enunciado no estatuto da região, nunca existirá competência legislativa primária da região para a ed- ição de um regime normativo alternativo, uma vez que os requisitos a que esta se encontra constitucionalmente sujeita são cumulativos. Neste caso, o ser matéria reservada à competência dos órgãos de soberania sobrepõe-se à sua enunciação no estatuto político‑administrativo da região (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 402/08).
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