TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Quer isto significar que, ainda que a disciplina jurídica instituída pela Lei n.º 16/2007 se situasse numa zona de verdadeira sobreposição – e não mera intercepção – entre os domínios normativos respeitantes à “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal” e à “saúde”, sempre obstaria à competência legislativa primária da região a verificação do requisito que, de acordo com a matriz constitucional de relacionamento entre os órgãos de soberania e as regiões, delimita negativamente essa competência. Devendo concluir-se pela ausência de competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira para legislar sobre a matéria constante das normas inseridas na Lei n.º 16/2007 que definem e con- formam os pressupostos da “exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez”, aquelas aplicar-se-ão, nos seus precisos e integrais termos, a todo o território nacional, incluindo as regiões. Deste ponto de vista, tal aplicação apresenta-se, não apenas constitucionalmente viável, mas constitu- cionalmente imperativa. 12.4. A vigência da Lei n.º 16/2007 em todo o território nacional, incluindo o da Região Autónoma da Madeira, como resultado do exercício da competência legislativa exclusiva da Assembleia da República, projecta-se em duas dimensões aplicativas, com significado vinculante para os poderes regionais. Corolário imediato de tal vigência é a manifesta falta de competência legislativa regional para introduzir quaisquer variações no regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 16/2007. O que implica que a interrupção voluntária da gravidez, quando ocorrer por acto praticado pelos serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde da Região Autónoma da Madeira, só poderá verificar-se nos termos estabelecidos naquela Lei da Assembleia da República, encontrando-se constitucionalmente vedada a possibilidade do estabelecimento, a coberto da autonomia legislativa regional, de quaisquer outros ali não previstos. As práticas médicas, clínicas e procedimentais, supostas pela realização da interrupção voluntária da gravidez segundo o modelo definido naquela lei serão também, vinculativamente, as seguidas nos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficial- mente reconhecidos situados na região. Em consequência da publicação da Lei n.º 16/2007 e do seu legítimo âmbito territorial de aplicação, o princípio da não punibilidade da interrupção voluntária da gravidez efectuada nos termos prescritos naquele diploma legal é também aplicável no território regional. Nem o se da consagração de tal princípio, nem o como da sua concreta conformação podem ser postos em causa por acto legislativo da região. Isto porque, tratando-se de matéria reservada à competência da Assembleia da República, relativamente à qual não pode sequer ser conferida autorização legislativa às Assembleias Legislativas das regiões autónomas [cfr. o artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, a contrario ], não existe, nem poderá existir, competência legislativa regional concorrente, o que retira o regime jurídico instituído pela Lei n.º 16/2007 do âmbito de aplicação do princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 228.º, n.º 2, da CRP. Daqui se segue que se encontra excluída da autonomia legislativa regional a competência para editar normas que estabeleçam um regime jurídico alternativo ou diferenciado em matéria de “exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez”, ou mesmo que, relativamente a todos ou a certos dos seus aspectos, introduzam especificações ou variações nos comandos normativos que integram e conformam o modelo definido em lei da Assembleia da República. Quando ocorrer nas regiões, a interrupção voluntária da gravidez não punível só poderá ocorrer sob verificação dos fundamentos, condições e pressupostos definidos na Lei n.º 16/2007, não podendo o poder regional, no uso da respectiva competência legislativa, alterá-los, ampliá-los ou restringi-los. 12.5. Mas essa conclusão deixa de pé uma questão mais funda, situada não apenas no plano normativo do tratamento jurídico-penal da interrupção voluntária da gravidez, mas também no do preenchimento, por parte dos poderes regionais, das condições materiais de efectiva realização da interrupção voluntária da gravidez, de acordo com o regime de impunibilidade posto em vigor pela Lei n.º 16/2007.
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