TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

203 ACÓRDÃO N.º 75/10 Pergunta-se: decorrerá do âmbito territorial de aplicação da Lei n.º 16/2007 a imposição aos estabeleci- mentos de saúde regionais, enquanto estabelecimentos oficiais, da prática do conjunto dos actos integrativos ou conformadores da interrupção voluntária da gravidez, em termos penalmente não sancionáveis, de acordo com o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, introduzida pelo artigo 1.º daquele diploma? Vimos já que a aplicação às regiões do regime jurídico de “exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez” instituído pela Lei n.º16/2007 significa, desde logo, que esse regime vigorará tam- bém aí, sendo, por consequência, também aí juridicamente possível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, e com respeito das demais condições fixadas naquele diploma, sem punição penal. Mas a questão agora é outra. Já não se trata de ponderar a possibilidade jurídica de levar à prática, nas regiões, a interrupção voluntária da gravidez, nas exactas condições e com a mesma ausência de efeitos penalizantes que decorrem da Lei n.º 16/2007. Assente esta possibilidade, o que agora se equaciona inter- rogativamente é se a vigência, nas regiões, da Lei n.º 16/2007 importa a obrigatoriedade, para os serviços integrados no sistema regional de saúde, da prática dos actos preparatórios e executivos da interrupção volun­ tária da gravidez correspondente à previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal. Para uma resposta a esta questão, há que atentar, em primeiro lugar, no que se encontra expresso no artigo 3.º da Lei n.º 16/2007. Sob a epígrafe “Organização dos serviços”, dispõe-se aí o seguinte: “1 – O Serviço Nacional de Saúde deve organizar-se de modo a garantir a possibilidade de realização da inter- rupção voluntária da gravidez nas condições e nos prazos legalmente previstos. 2 – Os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos em que seja praticada a interrupção voluntária da gravidez organizar-se-ão de forma adequada para que a mesma se verifique nas condições e nos prazos legalmente previstos.” O Serviço Nacional de Saúde é, nesta norma, apontado como o destinatário do dever de “organizar-se de modo a garantir a possibilidade de realização da interrupção voluntária da gravidez nas condições e nos prazos legalmente previstos”. A questão que então se levanta é a de saber se os serviços regionais de saúde se integram ou não institu- cionalmente no Serviço Nacional de Saúde. Os serviços regionais de saúde fazem parte do “sistema de saúde” definido no n.º 1 da Base XII da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, como sendo constituído pelo “Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades”. Na medida em que pertencem à categoria das “entidades públicas que desenvolv[em] actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde”, os serviços regionais de saúde fazem parte do “sistema de saúde”. Os serviços regionais de saúde não integram, porém, o Serviço Nacional de Saúde, como se pode con- cluir do n.º 2 da Base acima citada. Aí se estabelece que o Serviço Nacional de Saúde abrange as “instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde”, sendo que essa relação de dependência não se verifica relativamente aos serviços regionais de saúde. Conforme estabelecido na Base VIII da Lei de Bases da Saúde, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a política de saúde, não obstante subordinada aos princípios estabelecidos pela Constituição da República e pela própria Lei de Bases da Saúde, é “definida e executada pelos órgãos do governo próprio” das regiões.

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