TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

21 ACÓRDÃO N.º 119/10 Sobretudo no confronto com a acção administrativa, a reserva de lei importa para o legislador um conjunto de obrigações que visam garantir que é sempre ele a tomar as decisões essenciais quanto ao conteúdo ou quanto ao alcance das normas que conformam ou que afectam a esfera jusfundamental das pessoas (singulares ou colectivas). Por um lado, positivamente, ainda que na nossa Constituição a reserva de lei não seja, em regra, total (ou absoluta), mas apenas parcial (ou relativa) – não se excluindo, portanto, intervenções regulamentares, desde que de natureza executiva e vinculada –, ela traduz-se sempre na exigência de fixação primária do sentido normativo directamente pela mão do legislador, sem possibilidade de delegação. Por outro lado, negativamente, está em causa uma proibi­ ção de remissões legais em branco, que permitam intervenções amplamente inovadoras de fontes normativas infe- riores ou que transfiram para outros órgãos elevadas margens de liberdade decisória. Por conseguinte, atendendo à curta extensão do preceituado que a Lei n.º 35/98 dedica à regulação do registo das associações ambientais e, bem assim, a grande relevância que o regime constante dos artigos 8.º a 14.º do Decreto n.º 8/2010 (ainda) assume para a liberdade de associação, não há qualquer razão que permita concluir com segu- rança que o legislador regional se enganou na qualificação formal do diploma emanado. Bem pelo contrário, à luz do princípio constitucional da reserva de lei – até no sentido histórico desta ideia, como instrumento de defesa das liberdades (e da propriedade) das pessoas em face das intervenções agressivas do poder político –, tudo indica que a matéria concretamente versada se situa, do ponto de vista substantivo, no plano legislativo. Contra esta conclusão não procede, naturalmente, o argumento de que o Decreto n.º 8/2010 se limita a repro- duzir – em larga medida, a reproduzir ipsis verbis – a normação contida na Portaria n.º 478/99, de 29 de Junho, do Governo da República, sucessivamente revista pela Portaria n.º 71/2003, de 20 de Janeiro, e pela Portaria n.º  771/2009, de 20 de Julho. A circunstância de certa matéria ter sido efectivamente tratada por um diploma regulamentar da República não significa que, de um prisma constitucional, o devesse ter sido, nem tão-pouco que o pudesse ter sido nos moldes em que na realidade o foi. Nem a Lei n.º 35/98, nem muito menos as portarias refe- ridas, que procederam à regulamentação daquela, constituem parâmetros delimitadores da competência legislativa (ou regulamentar) regional ou padrões de validade (constitucional) dos decretos legislativos regionais. Em última análise, é apenas em função do confronto com a Constituição (e com o Estatuto Político-Administrativo) que tem de ser aferida a competência da Assembleia Legislativa açoriana para produzir normas como as constantes dos artigos 8.º a 14.º do Decreto n.º 8/2010 – e não, obviamente, em função do cotejo destas últimas com quaisquer normas legais ou regulamentares avulsas. 5. É sabido, entretanto, que na sequência das novas redacções conferidas pela revisão constitucional de 2004 à primeira parte do n.º 4 do artigo 115.º e à primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, a Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro, que procedeu à terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, introduziu neste diploma básico da autonomia insular uma extensa lista de matérias qualificadas como pertencendo à “competência legislativa própria” da região autónoma (artigos 49.º a 67.º). E, entre esse longo enunciado de matérias, encontra-se justamente, no domínio do ambiente e ordenamento do território, o “associativismo ambiental”, referido na alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º A circunstância de o Decreto n.º 8/2010 se fundar, precisamente, nesta alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º do Estatuto não lhe pode conferir, porém, um salvo-conduto constitucional. Por um lado, apesar de hoje a Lei Fundamental delimitar a competência legislativa regional com base em dois únicos parâmetros – um limite positivo, consubstanciado nas “matérias enunciadas nos respectivos estatutos político-administrativos”, e outro limite negativo, consistente nas “matérias reservadas aos órgãos de soberania” –, isso não significa que esses limites se situem no mesmo plano ou tenha que se encontrar um ponto de equilíbrio entre os dois. O limite negativo, que impede as Assembleias Legislativas de tratar matérias reservadas aos órgãos de soberania, prevalece claramente sobre o limite positivo, não podendo o legislador estatutário integrar no elenco de matérias da competência própria das regiões autónomas temas que se situem na esfera reservada dos órgãos legislativos da República. Se o fizer, incorre em inconstitucionalidade – como se viu, aliás, nas recentes decisões do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto dos Açores (Acórdão n.º 402/08 e Acórdão n.º 403/09), em que algumas das alíneas definidoras de (pretensas) competências legislativas próprias caíram por violação da reserva de competência dos órgãos de soberania.

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