TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
213 ACÓRDÃO N.º 75/10 Tal equivale por dizer que esse juízo deve efectuar-se de modo a tentar obter uma optimização do âmbi- to de eficácia da protecção constitucional conferida a tais direitos e que nunca poderá chegar a um resultado de eliminação de um deles em favor do outro, pois, neste caso, está-se, radicalmente, a eliminar o conteúdo essencial do preceito constitucional que reconhece a inviolabilidade da vida humana, na sua expressão de direito do titular da vida humana uterina a nascer e a violar-se frontalmente o disposto na parte final do artigo 18.º, n.º 3, da CRP. [E a solução não varia se se fizer radicar, segundo a lógica dubitativa que o acórdão admite, a tutela constitucional do titular embrião/feto no princípio da dignidade de vida humana – lógica essa, diga-se, incongruente, se referida à dignidade do embrião/feto, por essa dignidade da vida humana supor a existência da vida humana e de um seu titular, ou, então, contraditória, se a alegada dignidade disser respeito à mulher grávida, por, nesse caso, inexistir a perspectivada situação de colisão de direitos]. Por outro lado, o juízo de concordância prática não pode deixar de ter presente a estrutura e natureza dos concretos direitos ou garantias constitucionais, que se apresentam como estando em conflito, mormente para avaliação dos resultados sob a óptica do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de justa medi da, ao qual deve obediência. Ora, nesta sede, não deve desconhecer-se que estão em causa direitos ou garantias constitucionais em concreto, radicados em diferentes titulares constitucionais: de um lado, a liberdade da mulher grávida a manter um projecto de vida e do outro o direito do concreto embrião/feto a nascer, em cada situação de gravidez. Cada situação de gravidez gera uma situação de existência de um concreto titular do direito à vida humana a nascer. Nesta perspectiva, cabe acentuar que a Constituição, sempre que quer conferir uma especial intencionali- dade protectora ou eficácia do âmbito de protecção constitucional a certos direitos ou garantias constitucionais, usa expressões reveladoras desse significado, como o adjectivo “inviolável” ou expressões de exclusão como “ninguém”, “quaisquer”, etc. (cfr., por exemplo, quanto ao primeiro caso, os artigos 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, e, quanto ao segundo caso, os artigos 26.º, n.º 1, 27.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, e, a ambas as situações, o artigo 13.º, n.º 2). O direito à vida humana é protegido pela Constituição (artigo 24.º, n.º 1) como direito inviolável. O vocábulo “inviolável” só poderá significar que se trata de um direito que não poderá ser violado em caso algum, mesmo pelo Estado legislador. Nesta óptica, apenas, se conceberão causas de exclusão que consubs tanciem, perante a Constituição, situações de não violação, como sejam as causas constitucionais de descul- pabilização ou de justificação. Trata-se, deste modo, de um direito ou garantia constitucional que se encontra dotado de uma especial força de tutela constitucional. E bem se compreende que o seja, porquanto se trata de um direito fundante de todos os outros, de um direito que é pressuposto necessário de todos os outros, pois sem titulares de vida humana não poderá falar-se em dignidade humana ou sequer constituir-se comunidade organizada em Estadode direito democrático. Ao contrário, o direito ou garantia fundamental que se apresenta em colisão com ele – a liberdade da mulher a manter um projecto de vida como expressão do livre desenvolvimento da sua personalidade – não se apresenta dotado constitucionalmente de uma tal força excludente de lesão. Na verdade, essa liberdade é não a liberdade a que se refere o artigo 27.º, n.º 2, da CRP, a liberdade física ou liberdade de “ir e vir” – essa sim dotada de tal força excludente – mas sim uma específica dimensão do princípio do desenvolvimento da personalidade, consagrado no artigo 26.º, n.º 1. Assim sendo. Existente um direito à vida humana titularizado no ser resultante da partogénese celular, ser esse diferente, não só biológica e geneticamente (cfr. Fernando J. Regateiro, Manual de Genética Médica , Coimbra, 2003, pp. 310 a 312, e Fernando Regateiro, “Doenças Genéticas”, in Comissão de Ética – Das Bases Teóricas à Actividade Quotidiana , AA. VV. Coordenada por Maria do Céu Patrão Neves, 2.ª edição, Coim- bra, 2002, pp. 351 e 352), como também constitucionalmente (cfr., entre outros, João Carlos Loureiro, “Estatuto do Embrião”, in Novos Desafios à Bioética , AA. VV., coordenada por Luís Archer, Jorge Biscaia,
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