TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
214 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Walter Osswald e Michel Renaud, Porto 2001, pp. 110 e segs., e A. M. Almeida Costa, op. cit., pp. 210 e segs.), do ser da sua mãe ou mulher grávida – seja ele já uma pessoa ou não, mesmo numa acepção constitu- cional – e podendo ele estar em colisão com o direito a manter um projecto de vida como expressão do livre desenvolvimento da sua personalidade, titularizado na mulher grávida, não pode deixar, numa ponderação de concordância prática dos valores constitucionais, de adoptar-se, do ponto de vista da sua estrutura e natu reza constitucional, uma solução que não acarrete o sacrifício do titular da vida humana. Anote-se, de resto, que só o (implícito) reconhecimento de uma alteridade de titularidade constitucio- nal do ser embrião/feto em relação à sua mãe é que justifica que o próprio Acórdão, na esteira, aliás, do de 1998, procure intentar uma demonstração de existência de concordância prática entre o direito titularizado da mulher grávida e o direito respeitante ao embrião/feto. O aborto importa a morte do concreto titular da vida humana, do concreto embrião/feto. Com ele extingue-se o direito de se desenvolver no seio materno (e de mais tarde nascer), de acordo com a informação codificada no DNA, a vida humana do concreto feto advindo do específico ovo ou zigoto, este, por sua vez, resultante da fecundação do concreto ovócito pelo concreto espermatozóide. O ser irrepetível advindo da partogénese celular deixa de existir, saindo violado, por completo, o seu direito à vida humana. Pelo contrário, o prosseguimento da vida uterina não extingue a liberdade da mulher a manter um pro- jecto de vida como expressão do livre desenvolvimento da sua personalidade, mas tão-só, quando muito, a obriga a que adapte, para o futuro, o seu projecto de vida às novas circunstâncias, tal qual pode acontecer por força de muitas outras circunstâncias possíveis naturalisticamente, como, por exemplo, a doença, o desem prego, acidentes, etc. Ela continua a ser titular de um direito pessoal ao livre desenvolvimento, de o poder exercer e manifestar, repetidamente, em todas as outras condições da sua vida. Seguindo a lógica do Acórdão, a mulher grávida manterá a sua liberdade de desenvolver o seu projecto de vida quantas as vezes que optar pela interrupção da gravidez. Porém, em todas essas vezes, ocorrerá a extinção do direito à vida humana de um concreto titular – o concreto feto em gestação. Nesta linha de pensamento, há-de convir-se que a interrupção voluntária de gravidez, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez, assume tão só a natureza de um simples meio de contracepção ou mesmo de planeamento familiar cuja determinação do concreto conteúdo corresponde a um direito abso luto da mulher grávida, fazendo irrelevar, para o concreto embrião/feto, qualquer protecção constitucional do seu direito à vida humana, consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da CRP. Ou seja, a concepção do Acórdão assenta numa ideia de completa liberalização do aborto, condicionan do-o a condições que visam apenas acautelar o aspecto de saúde da mulher abortanda e não em qualquer ideia de que deve ser efectuada uma ponderação de direitos ou valores: contra a vontade, de livre opção, da mulher de abortar, nas primeiras 10 semanas de gravidez, em estabelecimento de saúde legalmente autori zado, nada (absoluto) se pode opor. Trata-se, por outro lado, de uma solução cuja admissibilidade não vemos como possa ser acolhida pelo princípio constitucional da proporcionalidade, na sua acepção de justa medida. Essa desproporcionalidade torna-se patente não só quando abandona, por inteiro, a natureza do direito que está em colisão com o direito da mulher grávida, permitindo o seu sacrifício, de plano, nas primeiras 10 semanas, como quando a valoração acaba por ficar dependente apenas da decorrência de simples prazos de gestação, e da aleatoriedade decisória que, durante eles, poderá ser feita, livremente, pela mulher grávida, podendo ser levada a cabo, sem censura penal, num limite em que o feto tem até já forma humana (desde as 8 semanas) (cfr. Fernando J. Regateiro, Manual de Genética Médica , Coimbra, 2003, pp. 310 a 312). Como se verifica dos seus termos, o Acórdão invoca a realização de uma concordância prática dos direi- tos em questão no plano abstracto, indicando até, nesse sentido, a existência de vários regimes de protecção da maternidade, que identifica. Todavia, a primeira objecção que poderá fazer-se a propósito de tal atitude é que, posta a questão em termos abstractos (plano do conteúdo/extensão do direito objectivo à vida humana), no plano de
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=