TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
218 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Foram os seguintes, os meus motivos. 1. OTribunal chegou, quanto a este ponto, a um juízo maioritário de não inconstitucionalidade a partir de algumas premissas metodológicas que subscrevo inteiramente. A primeira é a da total novidade da questão que agora lhe foi colocada. Também eu entendo que o Tribunal teve aqui que resolver um problema novo, face ao já decidido na jurisprudência anterior sobre o tema (Acórdãos n. os 25/84, 85/85, 288/98 e 617/06). Antes do mais, novo em razão do objecto do juízo, por estar agora em julgamento, e pela primeira vez, o sistema legal finalizado do chamado “modelo de prazos”, em que se definem as condições substantivas e procedimentais que determinam a não punibilidade da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada por opção da mulher durante as dez primeiras semanas. Depois, problema novo em razão do fundamento do juízo, porque a questão nuclear que houve que resolver foi a de saber se esse “modelo de prazos”, assim fina lizado em sistema legal, continha ou não elementos suficientes de protecção do bem jurídico que é tutelado pelo artigo 24.º da Constituição (vida pré-natal). Nada disto esteve em discussão na anterior jurisprudência do Tribunal; tudo isto foi o que, de essencial, agora se teve que resolver. O Acórdão de que dissenti esclarece bem o alcance da novidade do problema desta feita colocado ao Tribunal, pelo que subscrevo inteiramente a premissa inicial que sustentou o seu juízo. Como subscrevo a premissa seguinte, relativa às dificuldades específicas com que se defronta o Tribunal sempre que é chamado a julgar da suficiência ou insuficiência do cumprimento, por parte do legislador ordinário, de deveres objectivos de protecção de bens jusfundamentais. Também eu concordo que tal juízo é estruturalmente diverso daquele outro que se faz sempre que estão em causa, não deveres estaduais positivos de proteger e de promover certos bens, mas deveres estaduais negativos de não perturbar ou de não afectar posições jurídicas subjectivas. Quanto a estes últimos, é certo que ficam proibidas todas as acções que afec tem ou perturbem; em contrapartida, e quanto aos primeiros, a Constituição não ordena que se adoptem todas as medidas de protecção ou promoção para o caso pensáveis ou possíveis. Ampla é, portanto, a liber- dade de conformação do legislador quando escolhe o meio adequado para proteger ou promover: como se diz no Acórdão (n.º 11.4.3.), “[q]uando são adequadas diferentes acções de protecção ou promoção, nenhuma delas é, de per si, necessária para o cumprimento desse mandato: a única exigência é que se realize uma delas, pertencendo a escolha ao Estado.” O problema está, porém – e é a partir daqui que divirjo da orientação maioritária –, no facto de o Tribunal se não poder demitir da tarefa que especificamente lhe cabe, e que é a de julgar quais são as acções de protecção ou de promoção que são adequadas e quais as que o não são. Para tal, é necessário que se tenha algum critério a partir do qual se possa aferir a “adequação” das acções às finalidades de protecção; é necessário que se tenha algum tópico orientador, algum instrumento conceitual que permita detectar as insu ficiências de protecção, Tribunal se não poder demitir da tarefa que especificamente lhe cabe, e que é a de julgar quais são as acções de protecção ou de promoção que são adequadas e quais as que o não são. Para tal, é necessário que se tenha algum critério a partir do qual se possa aferir a “adequação” das acções às finalidades caso elas existam. Se assim não for, o Untermassverbot, a proibição do deficit , torna-se coisa vazia, como coisa vazia e destituída de conteúdo se tornarão os deveres de protecção. Deveres que não sejam justiciáveis, ou sindicáveis pelo Tribunal, não são deveres. Ora, em meu entender, o Acórdão acabou por não revelar um critério a partir do qual se pudesse medir a existência, ou inexistência, de um deficit legislativo de protecção. É certo que, como aí se diz (n.º 11.4.17), “cumpre reconhecer que o julgador não dispõe de um instrumento de mensuração exacta do grau de protecção exigível para o cumprimento, pelo Estado, do correspondente dever”. No entanto, tal não implica que se só se justifique uma pronúncia de inconstitucionalidade em caso de manifesto erro de avaliação do legislador, detectado a partir de critérios de evidência. Enquanto critério de identificação da existência, ou inexistência, de deficit de protecção legislativa esta formulação parece-me claramente insuficiente. E parece-me antesque, sempre que o legislador estiver constitucionalmente obrigado a proteger certo bem, tal significa que as medidas a adoptar deverão propiciar a mais ampla protecção que seja fáctica e juridicamente possível, i. e. , que não seja
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=