TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

25 ACÓRDÃO N.º 119/10 membro do Governo Regional competente em matéria ambiental determinar a realização de auditorias na sede das associações registadas e a afirmação constitucional constante do n.º 2 do artigo 46.º, segundo a qual “as associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas”. De facto, ainda que o termo “interferência” não possua um sentido jurídico muito preciso, ele é suficiente- mente amplo para englobar a realização de auditorias – sejam elas ordinárias ou extraordinárias – por decisão do titular de um alto cargo público. De acordo com o próprio teor literal do preceito, interferências não são apenas os actos pelos quais o Estado determina a dissolução ou a suspensão das actividades das associações. Essas são ape- nas as formas mais graves e agressivas de intervenção dos poderes públicos na livre condução das associações pelos seus associados. Intervenções hão-de ser assim todos aqueles actos ou comportamentos das autoridades públicas que, pela natureza dos meios utilizados ou pelos efeitos produzidos, representem uma intromissão ou uma inge­ rência na vida interna da pessoa colectiva ou, então, que sejam susceptíveis de prejudicar a livre prossecução das actividades e dos fins desenvolvidos pelas associações. Não obstante, podendo as intervenções das autoridades públicas no seio das associações prosseguir distintos objectivos e revestir diferentes intensidades, as questões de constitucionalidade que devem ser colocadas não res- peitam tanto ao problema de saber se certo acto ou certa conduta das autoridades constituem uma interferência na vida das associações. O que importa aferir é, sobretudo, se essa interferência se subsume no conceito constitucional de restrição e, em caso afirmativo, se se prossegue com ela um fim constitucionalmente legítimo e, ainda, se os meios utilizados para esse efeito não ultrapassam o necessário e razoável. Por outras palavras, a questão jurídico- -constitucional que interessa decidir é a de saber se a sujeição das associações ambientais registadas a um regime de auditorias representa uma verdadeira e própria restrição legal à liberdade de associação e, depois, se o modo concretamente definido para a realização dessas auditorias viola o princípio da proporcionalidade, tal como con- sagrado no n.º 2 do artigo 18.º Assim, quanto ao primeiro ponto – e sem poder entrar aqui nos critérios que permitem fazer a destrinça entre as restrições legais e as figuras jurídicas que com elas mantêm afinidades –, afigura-se que a sujeição das associa- ções registadas a auditorias decretadas por uma autoridade administrativa é uma forma suficientemente caracte­ rizada e intensa de intervenção pública na vida interna daquelas, traduzindo-se numa verdadeira compressão do âmbito de protecção constitucional da liberdade de associação enquanto direito de defesa contra o poder – isto é, naquela sua dimensão subjectiva que melhor a caracteriza como direito, liberdade e garantia –, tal como ela mesma se apresenta configurada no n.º 2 do artigo 46.º Não está em causa, pois, a simples fixação preliminar dos limites exteriores da liberdade de associação em face de outros direitos ou de outros institutos, nem a definição de um regime que contenda apenas com aspectos secundários ou acidentais relativos ao pleno exercício daquela liberdade. Bem pelo contrário, tratando-se de autorizar legalmente uma autoridade pública a invadir jurídica e fisicamente a esfera privada de um sujeito jusfundamental, a sujeição das associações registadas a auditorias consubstancia-se inevitavelmente numa verdadeira e própria restrição legal. Dito isto, entende-se também, relativamente ao segundo ponto, que o regime concreto das auditorias implica uma restrição da liberdade de associação violadora do princípio da proporcionalidade. Por um lado, nenhum outro direito fundamental justifica, no plano constitucional, a compressão à liberdade de associação agora tentada pelo legislador regional. Nem mesmo no campo dos interesses constitucionais objectivos – preservação do Estado de direito, respeito pela legalidade democrática, transparência da vida pública, etc. – se vislumbra com facilidade quais os bens ou valores presentes na Constituição que se visa acautelar com a realização de auditorias no próprio espaço físico da sede social. Mas, sobretudo, mesmo supondo que os fins prosseguidos pelo legislador podem ser convenientemente identificados e obter suporte num certo princípio constitucional objectivo, fica por demonstrar que esses mesmos fins não poderiam ser igualmente perseguidos com recurso a outros meios menos agressivos da liberdade de associação ou menos invasivos da esfera interna dessa modalidade de pessoas colectivas – por exemplo, através do simples requerimento dos documentos destinados à demonstração do preenchimento dos requisitos necessários para a inscrição no registo. A desnecessidade – e, portanto, a violação do princípio da proporcionalidade – que caracteriza o regime de realiza- ção das auditorias torna-se ainda mais patente quando se verifica que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, este tipo de

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