TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
33 ACÓRDÃO N.º 119/10 sustenta que, por disciplinarem a liberdade de associação, as normas constantes do Decreto que se vem apreciando deveriam ser objecto de Lei da Assembleia da República, estando vedado ao legislador regional emitir tal normação. 4.3 Como está patente, será decisivo para resolver a questão, do ponto de vista da conformidade orgâni- ca das normas com a Constituição, verificar se as matérias abrangidas pelas normas impugnadas são matéria de direitos, liberdades e garantias. Desde logo porque – e é esse o fundamento do requerente – estando aqui em causa normas atinentes a organizações não governamentais de ambiente, será preciso que o Tribunal Constitucional apure se as disposições em apreciação tocam, efectivamente, e como vem sustentado, aspectos relativos à liberdade de associação, consignada no artigo 46.º da CRP. A Lei n.º 35/98, de 18 de Julho – que estabelece o estatuto das organizações não governamentais de am- biente (ONGA) – definiu estas organizações como associações dotadas de personalidade jurídica, constituí- das nos termos da lei geral, que não prosseguem fins lucrativos e visam, exclusivamente, a defesa e valorização do ambiente ou do património natural e construído, bem como a conservação da natureza. Enquanto associações, as ONGA são expressão da «liberdade de organização colectiva dos cidadãos» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra Edi- tora, 2007, p. 643) e vêem ser-lhes constitucionalmente garantido, no artigo 46.º (liberdade de associação), o direito de associação – traduzido, designadamente, na liberdade de prossecução livre dos seus fins. Embora sendo este um direito complexo, que pode ser decomposto em vários direitos ou liberdades específicos, esta sua faceta é a mais directamente convocada pela questão que importa resolver. O n.º 2 do artigo 46.º da CRP estabelece o seguinte: «As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial». A disposição constitucional citada abrange «dimensões essenciais da liberdade de associação, designadamente a liberdade de auto-organização, o autogoverno e a autogestão, consubstanciadas na autonomia estatutária (não podendo os estatutos das associações estar dependentes de qualquer aprovação ou sanção administrativa e, muito menos, ser impostos pelas autoridades); a liberdade de escolha dos seus órgãos (não podendo a designação dos órgãos directivos da associação estar dependente de qualquer aprovação ou controlo administrativo, e, muito menos, de impo sição administrativa) e a liberdade de gestão (não podendo os seus actos ficar dependentes de aprovação ou referenda administrativa)» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 646; e, na jurisprudência constitucional, v. g . o Acórdão n.º 18/06). 4.4 O direito de associação tem um âmbito de protecção próprio que se refere a uma realidade – as asso ciações. E o domínio existencial, material ou realidade da vida aqui protegido é, por exemplo, o acto de um indivíduo se associar ou não associar, ou da própria associação prosseguir livremente os seus fins. Para que se possa afirmar que uma determinada intervenção reguladora tocou um aspecto da realidade a que se refere a protecção constitucional, é importante proceder à delimitação do conteúdo constitucionalmente garantido do direito, assim definindo «o bem ou o interesse jusfundamental protegido pela norma» (José de Melo Alexan- drino, A Estruturação do Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias na Constituição Portuguesa , Vol. II, Alme- dina, Coimbra, 2006, p. 472). O mesmo é dizer que sempre será indispensável a realização do juízo prévio de saber se um determinado aspecto do âmbito material de protecção do direito está jurídico-constitucionalmente protegido. Por isso – exemplifica a doutrina referindo-se ao direito aqui em causa – «O conteúdo constitucio- nalmente garantido do direito de associação parece não abranger a garantia de aquisição de personalidade jurí dica como pessoa colectiva», segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 645). O que está em causa é um problema de interpretação da norma constitucional de modo a apurar quais «os bens e esferas de acção abrangidos e protegidos pelo preceito
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