TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

543 ACÓRDÃO N.º 166/10 do credor à satisfação do seu crédito há-de ser confrontado com a necessidade da dispensa, em execução fiscal, da audição prévia de credores reclamantes com garantia real para efeitos de escolha da modalidade de venda e de fixação do preço base, por apenas desse modo se lograr a cobrança de impostos para a prossecução do interesse público. Importa, assim, analisar se, e em que medida, é efectivamente necessária para a realização do inter- esse público de cobrança coerciva de impostos, a dispensa da audição prévia dos credores reclamantes com garantia real. Ora, não se vê como é que tal dispensa pode pôr em causa a realização do interesse público. Mesmo considerando eventuais incidentes de reclamação que possam vir a ocorrer ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, resulta da circunstância de, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º do mesmo Código, o tribunal só conhecer de reclamações após a realização da venda – justamente por, de outro modo, a subida imediata da reclamação poder afectar a desejada celeridade do processo de execução fiscal –, que a dispensa de audição prévia dos credores reclamantes com garantia real não pode, objectivamente, ser considerada uma medida necessária, de forma tal que a sua ausência comprometa inelutavelmente os fins pertinentes de interesse colectivo. Tanto basta para que se conclua a norma sub judicio não assegura uma ponderação razoável entre a posição jusfundamental que deve acautelar e o valor constitucional (de realização do interesse público) que com tal posição conflitua. A tudo isto acresce que, para a ponderação a efectuar, não pode deixar de relevar o facto de a audição prévia dos credores reclamantes com garantia real poder vir a compensar o eventual prejuízo que dela resulte em termos de celeridade processual. Com efeito, uma formação mais informada da decisão administrativa sobre a escolha da modalidade de venda e sobre o valor base do bem para a venda – informação essa resul- tante da contribuição oferecida, em audição prévia, pelos credores reclamantes com garantia real – pode redundar num ganho geral do interesse público. Assim, e independentemente da questão da celeridade do processo de execução fiscal, importa assinalar que, em abstracto, longe de existir um conflito entre o interesse público e o interesse dos credores reclamantes, poderá existir uma convergência de interesses consistente em realizar a venda do bem de modo a garantir a satisfação dos seus créditos. Conclui-se assim que, in casu, o legislador que conformou as normas pertinentes do CPPT não con- feriu, às posições jurídicas tuteladas, a protecção eficiente que poderia ter conferido; e fê-lo por razões de interesse público que, uma vez ponderadas, se mostram, na sua relação com os outros bens e valores constitu­ cionalmente tutelados, claramente sobreavaliadas. Tanto basta, por isso, para que se considere, à luz da metodologia atrás definida, que se não cumpriu aqui o imperativo constitucional de proibição do deficit ou da insuficiência , decorrente do artigo 2.º da CRP. III — Decisão 15. Pelo exposto, e com estes fundamentos, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 2.º da CRP, a norma que resulta das disposições conjugadas da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 3 do artigo 252.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e dos artigos 201.º, 904.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 909.º do Código de Processo Civil, quando interpretada “no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamental- mente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente”; b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida para ser refor- mada de acordo com o juízo de constitucionalidade agora formulado.

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