TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

88 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “elemento fundamental da sociedade” é a família e não o casamento ( lato sensu , a instituição matrimonial) que é somente um dos modos de constituí-la (artigo 67.º). Como diz Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, p. 689, enquanto «no artigo 36.º avulta, sobretudo, quer a dimensão individual-subjectiva dos direitos dos membros da família, incluindo, desde logo, o próprio direito de constituir família e de contrair casamento, quer, no que respeita à família como um todo, a dimensão de liberdade, o artigo 67.º, se bem que sem perder de vista o objectivo da realização pessoal dos seus membros, tutela fundamentalmente a própria família como instituição e impõe, em particular, ao Estado o dever de a proteger positivamente». O conceito de garantia de instituto (modalidade da figura mais geral da garantia institucional em sentido amplo, que abrange também as garantias institucionais jurídico-públicas que podem exigir enfoque diverso e que aqui não importa considerar) foi forjado na doutrina germânica, num quadro constitucional (Constituição de Weimar ) que desconhecia mecanismos efectivos de vinculação do legislador à Constituição e de aplicabilidade directa dos direitos fundamentais, em ordem a salvaguardar determinados sectores da ordem infraconstitucional contra a acção do legislador ordinário. Na medida em que se proibia o legisla- dor de alterar o que fosse típico de um determinado instituto de direito privado, garantia-se aos direitos fundamentais a correspondente protecção efectiva. Por efeito da evolução do sistema constitucional de pro- tecção dos direitos fundamentais, da subordinação de todos os poderes do Estado à Constituição, da directa aplicação e vinculação das entidades públicas e privadas pelos preceitos constitucionais respeitantes aos direi- tos, liberdades e garantias e pela instituição de mecanismos judiciários de garantia de constitucionalidade, a construção perdeu essa sua função histórica e não pode manter-se com o mesmo sentido. O direito fundamental ao casamento compreende, além da liberdade individual de casar ou não casar, a exigência de que para o efeito o Estado organize procedimentos e mantenha estruturas oficiais (o procedi- mento preliminar, a celebração, o registo público), mas ainda – como os demais direitos fundamentais que se analisem em pretensões a estatutos – o de que a ordem jurídica comporte normas reguladoras da constitui­ ção e extinção da situação jurídica correspondente e dos seus efeitos pessoais e patrimoniais. Trata-se de um direito subjectivo público que pressupõe conceptualmente a existência do correspondente instituto jurídico de direito privado, cuja preexistência fornece elementos de interpretação do âmbito normativo objectivo da norma constitucional consagradora do direito fundamental. É, efectivamente, possível conceber os direitos fundamentais como apresentando ou comportando um “lado” jurídico individual, enquanto garantem aos seus titulares um direito subjectivo público, e um “lado” institucional objectivo, enquanto garantias consti- tucionais de âmbitos de vida juridicamente ordenados e conformados. Mas não pode, a partir do pensamento institucionalístico, inverter-se o sentido da garantia, impondo a conservação do instituto, tal como ele existe, contra acções do legislador que não colidam com a determina- ção de sentido do direito fundamental em causa no quadro axiológico do sistema de direitos fundamentais. O que, aplicado à opção legislativa submetida a fiscalização, significa verificar se os fins ou bens jurídicos individuais e comunitários a que o direito fundamental ao casamento deva considerar-se constitucional- mente adscrito, no quadro de um sistema de direitos fundamentais axialmente centrado na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição), sofrem compressão do seu núcleo essencial de realização. 20. No pedido – e no parecer em que este se apoia –, reconhecendo-se a liberdade de conformação outorgada ao legislador pelo n.º 2 do artigo 36.º da Constituição, sustenta-se que a alteração legislativa em causa não respeitou esses limites, violando o conceito de casamento operante no n.º 1 do mesmo artigo 36.º, em síntese, por razões de duas ordens: I – Pela sua origem histórica e numa interpretação sistemática, o conceito constitucional de casamento, concatenado com a sua ligação ao conceito de família e de filiação, aponta inequivocamente para o casamento como união entre duas pessoas de sexo diferente;

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