TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL VI – A questão deve, pois, pôr-se nos seguintes termos: deve esse risco correr por conta do indivíduo, que assim suporta toda a carga do sacrifício que lhe foi imposto, ou deve ele correr por conta da comu- nidade, sendo repartido (enquanto dever estadual de indemnizar) por todos os seus membros, na medida do benefício que do sacrifício individual retirara? VII – Sucede que a apreciação da questão de saber se a repartição solidária do sacrifício afecta ou não a eficácia do sistema criminal, ou a segurança e, fundamentalmente, a liberdade individual dos demais membros da comunidade implica, dada a estrutura multipolar das relações jurídicas envolvidas, arbi- trar um verdadeiro conflito de liberdades, algo que o Tribunal Constitucional não está em condições de efectuar. VIII – Dito de outra maneira, o controlo sobre o modo como o legislador ordinário cumpriu os seus deveres de protecção de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, ainda que com restrição de direitos, liberdades e garantias individuais, não pode ter como consequência ser o poder judicial a proceder a avaliações sobre factos, a efectuar ponderações entre bens e a formular juízos de prognose que inte- gram, na sua essência, a função legislativa do Estado. IX – Fazê-lo equivaleria a substituir um equilíbrio sistémico, intrinsecamente complexo e politicamente sensível, estabelecido pelo legislador ordinário, por um novo equilíbrio a estabelecer pelo próprio Tribunal Constitucional. X – Determinar se apenas através de um regime de suportação em exclusivo do sacrifício consistente em sujeitar um indivíduo inocente a privação da liberdade se assegura a eficácia do sistema criminal e, portanto, a protecção da liberdade individual dos demais membros da comunidade, está à margem dos poderes de apreciação do Tribunal. XI – Importa ainda considerar que não é desrazoável admitir-se a hipótese de a introdução de um regime de responsabilização solidária por sujeição a prisão preventiva através da atribuição de uma indem- nização em casos de absolvição vir agilizar a aplicação da prisão preventiva por parte de magistrados judiciais, redundando em um aumento do número de prisões preventivas decretadas e, portanto, em uma afectação mais intensa da própria liberdade individual do arguido. XII – Não interessa saber se tal cenário é certo, provável ou apenas hipotisável. A mera incerteza basta para que o Tribunal Constitucional não possa senão deferir perante o juízo formulado pelo legislador, go- zando este último de ampla liberdade de conformação relativamente ao próprio juízo quanto à neces- sidade do regime contido no n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal.
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