TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

108 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade. 2. O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, com dolo ou negligência para aquele erro. O regime de indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada, aqui previsto (e que veio a ser objecto de algumas alterações, agora de consideração desnecessária, com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), pode ser caracterizado como segue. A lei faz depender a atribuição de uma indemnização a quem tenha estado sujeito a prisão preventiva de um de dois requisitos: ou da sua manifesta ilegalidade ou da existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sua aplicação. Os dois requisitos articulam-se entre si através de uma relação de subsidiariedade. A regra é a da cons­ tituição do dever de indemnizar do Estado em casos de prisão preventiva manifestamente ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 225.º Fora dos casos de manifesta ilegalidade, prevê o n.º 2 do mesmo artigo o direito a indemnização por prisão preventiva legal, fazendo no entanto depender a constituição de tal direito da existência de erro grosseiro na apreciação, pelo juiz, dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida de coacção. Da articulação entre o disposto no n.º 1 e o disposto no n.º 2 do artigo 225.º decorre o seguinte: a apre- ciação de qualquer requisito de que a lei faça depender a possibilidade de aplicação da prisão preventiva deve ser efectuada ao abrigo do princípio-regra, consignado no n.º 1. Por exemplo, constituindo a exigência de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos” um pressuposto de decretação desta medida de coacção (artigo 202.º do CPP), a sua inexistência configura uma ilegalidade, a ser apreciada à luz do n.º 1 do artigo 225.º, ilegalidade essa que, ademais, se exige que seja manifesta. Já todas as situações de privação de liberdade indemnizáveis nos termos do n.º 2 do artigo 225.º do CPP pressupõem a legalidade da prisão preventiva. Assim, perante uma situação de sujeição a prisão preventiva legal, cabe ao autor da acção demonstrar a existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sua aplicação, sendo que o juízo, embora formulado em tempo posterior, se faz sempre em função do momento e das circunstâncias em que foi proferida a decisão, ou seja, tendo por base os factos, elementos e circunstâncias ocorridos na ocasião em que a prisão preventiva foi decretada ou mantida. 3.2.   No caso concreto está apenas em juízo o disposto no n.º 2 do artigo 225.º Com efeito, decorre do despacho da relatora e das alegações apresentadas pela recorrente que o objecto do recurso se circunscreve à apreciação da questão de constitucionalidade da norma constante desse mesmo n.º 2, quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada, e, portanto, constitutiva de indemnização estadual, a prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo . Foi, na verdade deste modo e com este sentido que o tribunal a quo interpretou e aplicou ao caso sub judicio o sistema infraconstitucional contido no artigo 225.º Atente-se nos seguintes excertos: […] o facto de o arguido sujeito a prisão preventiva legalmente decretada vir a ser posteriormente absolvido em julgamento, por não provados os factos que lhe eram imputados, e colocado em liberdade, é, por si só, insusceptível de revelar a existência de erro grosseiro por parte de quem decretou a aludida medida de coacção, e, por isso, não implica, só por si, a possibilidade de indemnização nos termos do art. 225.º n.º 2 do CPP (fls. 1222). E ainda: […] no acórdão penal absolutório não ficou provado que a ora recorrente não tenha sido autora dos crimes por que foi acusada.

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