TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

111 ACÓRDÃO N.º 185/10 em que a afectação do direito tenha ocorrido fora dos casos tipicamente definidos no n.º 3. Não sendo essa a situação dos autos (em que, como já vimos, não está em causa, nem uma “privação da liberdade”, neste sentido, inconstitucional, nem tão-pouco uma prisão preventiva ilegal), a previsão do n.º 5 só terá aqui sentido útil se, mais do que a letra , se indagar do “espírito” do preceito. Tal obriga a que se tenha em conta que o específico direito de indemnização que aí se consagra é corolário do direito à liberdade, que o artigo 27.º, no seu todo, visa proteger. 4.2.   Como o direito à liberdade detém a estrutura típica dos chamados direitos de defesa (direitos, liberdades e garantias , na denominação da CRP), todas as restrições que a lei ordinária venha, quanto a ele, a estabelecer, devem obedecer aos limites fixados, desde logo, no n.º 2 do artigo 18.º: as restrições têm que ser expressamente previstas na Constituição e limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A sujeição a prisão preventiva é – como qualquer outra medida privativa da liberdade – uma restrição do direito que o artigo 27.º protege. Independentemente da questão de saber qual será o sentido que, em geral, deva hoje ser conferido à primeira frase do n.º 2 do artigo 18.º (sobre o assunto, vide Jorge Reis Novais, As Restrições aos Direitos Fundamentais não Expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003), não restam dúvidas que esta restrição goza de autorização constitucional expressa, constante da alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º da CRP. Por outro lado, a sua existência revela-se necessária para a salvaguarda de outros valores constitucionalmente protegidos, como os da eficácia da justiça penal, da segurança, e, fundamental- mente, da própria liberdade individual dos demais membros da comunidade. Assim, o risco que todo o indivíduo corre de, verificados certos pressupostos legais, se ver sujeito a prisão preventiva é – e a tradição contratualista tem-no salientado bem – consequência, ou “contrapartida”, de uma dupla necessidade: da necessidade de proteger a liberdade dos outros; da necessidade de salvaguardar bens comunitários de segurança e de eficácia do sistema penal. Resta saber – e essa é a especial questão que nos ocupa – por conta de quem deve correr esse risco, caso se venha ex post a concluir, por juízo absolutório, que, numa dada situação concreta, a prisão preventiva se não justificava. Deve ainda o risco correr por conta do indivíduo, que assim suporta toda a carga do sacrifício que lhe foi imposto, ou deve ele correr por conta da comunidade, sendo repartido (enquanto dever estadual de indemnizar) por todos os seus membros, na medida do benefício que do sacrifício individual retiraram? Entende a recorrente que a Constituição portuguesa impõe que o risco corra, nestes casos, por toda a comunidade. Com efeito, ao sustentar que é inconstitucional a norma constante do disposto no n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo , a recorrente está a apresentar ao Tribunal uma dupla alegação: primeira, a de que é excessiva – e por isso mesmo contrária à Lei Fundamental – a restrição contida naquele segmento normativo, que, não se satisfazendo com o juízo absolutório, faz depender o direito à indemnização de ulterior prova, a produzir na correspondente acção de responsabilidade civil contra o Estado, de ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a imposição da medida de coacção; segunda, a de que é dever do legislador estender a indemnização também àquelas situações em que haja, ex post , juízo absolutório so- bre arguido sujeito a prisão preventiva. Assim sendo, e nesta medida, pretende essencialmente a recorrente demonstrar que a CRP impõe que o risco de prisões preventivas materialmente injustificadas corra por conta de toda a comunidade, ao invés de ser suportado, apenas, pelos indivíduos que a elas estiveram sujeitos. As duas afirmações que vão contidas nesta dupla alegação não detêm no entanto o mesmo estatuto lógico. A resposta dada à primeira prejudica a resposta que se vier a dar à segunda. Com efeito, só será possível sustentar que existe, face à Constituição, um dever do legislador de prever indemnização para os casos em que se venha a emitir, ex post , juízo absolutório sobre arguido sujeito a prisão preventiva se se tiver primeiro confirmado a natureza excessiva, e por isso mesmo inconstitucional, da restrição contida na norma do n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal, que só considera materialmente injusti-

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